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segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O glutão da Daniela

     Deixei o narrador de Botafogo e Atlético Mineiro falando sozinho e desci a escada. Também, já estava três a zero para o Fogão, como o time carioca é chamado. A equipe de Minas Gerais, virtual rebaixada do Brasileirão 2011, não teria forças para mudar o resultado da partida. Com as três senhas no bolso do blazer, deixamos a comodidade do lar e fomos ao compromisso social. E demos carona a uma penetra que apareceu bem na hora em que saíamos.

- E se não conseguirmos ingresso para ela? – veio a voz do pessimismo.
- Conseguimos, sim. Além do mais, ela é muito pequena e não deve comer muito. Vão deixá-la entrar.

     E entramos nos doze graus da cidade. Quando chegamos, o salão já estava lotado. Parece que todos os moradores do Balneário Daniela resolveram jantar no mesmo canto. Da porta, percebi a fila que serpenteava em direção às guloseimas. No meio da corriola faminta um vivente se destacava – Chuletão. Digo faminta por uma questão de chiste. É claro que um bolsista do governo federal não teria vinte e cinco reais para pagar um rango. Duas senhoras guarneciam o salão da igreja. Uma delas, em tom de confidência avisou:

- Não tem cadeira para todo mundo. Acho que venderam mais ingressos do que devia. Só pode ter sido coisa de “fulana” – e eu não sou louco de revelar o nome pronunciado de modo tão claro. Fiz-me de desentendido e perguntei se ela podia conseguir mais um ingresso para nossa minúscula penetra.

- Impossível – taxou. Ato contínuo, apontou para uma mesa com duas cadeiras ociosas. Os lugares de vocês dois devem ser aqueles. Pedimos para as meninas aguardarem na entrada enquanto contornávamos a situação. Não precisou; em menos de um minuto elas estavam na nossa cola. Por um milagre – já que o ambiente era religioso – apareceu um ingresso salvador que permitiu a legalização da penetra.

     Há quem diga que cristão não peca bebendo, mas peca comendo. Um senhor de oitenta anos sentou-se ao meu lado com um prato que mais parecia uma trincheira. Jesuisi, Jesuisi, Jesuisi! Escondido atrás dos pães, bolos, empadas e outras iguarias, ele justificava: “é tudo diet”. Feito um trator de esteira, uma menina passa ao meu lado. Nas mãos, comida para cinco pessoas. A ex-penetra, seguindo o lindo exemplo do octogenário, erguera um monumento à glutonaria. Senta-se e, com a fleuma de um leão esfomeado, devora tudo em menos de dez minutos. Só me restou balbuciar: “Jesuisi, Jesuisi, Jesuisi”. Depois que os estômagos estavam mais mansos, entramos na fila. Acabara de pegar uma xícara de leite quando vi um bólido vindo na minha direção. Só deu tempo de me esquivar. Hipnotizada por um bolo de chocolate – diet, diga-se de passagem -, uma idosa avançou sobre a guloseima como se fosse Usain Bolt em direção ao estrelato.

     Chuletão continuava na fila ou era impressão minha? “É a quarta rodada”, contabilizou um fiscal da vida alheia. É, nem a ex-penetra e nem o vovô smurf. O título de comilão da Daniela foi mesmo para ele. “Chuletão, meu filho, nunca que vou te convidar para almoçar na minha casa”. Por último, um susto: a lâmpada apagou. Mas acendeu imediatamente. Aí uma voz soprou no meu ouvido: “já pensou se faltar energia?”. “Nem diga uma coisa dessas”, retruquei, “com esse frio é capaz de alguém querer tomar sopa dentro do caldeirão”.

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