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quinta-feira, 3 de março de 2011

Stalin, Rokossovski e eu - unidos por um livro

     Olha, amizade, o livro é, definitivamente, a saída da humanidade. E a entrada também, ressalte-se. Diz o aforismo que “quem não lê é como quem não vê”. Acrescento: e como quem não sente; como quem não cheira; como quem não ouve; como quem não discerne entre o doce e o salgado. Não, não pretendo entrar na discussão a respeito do suporte para o livro. Pode ser impresso em brancas folhas, pode ser digital – para ser mais contextualizado -, pode até ser cuneiforme – para ser pedante. Usei “cuneiforme” só para forçar você a relembrar a origem da escrita. Aquela coisa sumeriana, tá ligado? Tolice minha. Voltemos ao livro. Estava esse escriba jogando futebol com os colegas – e com os não-colegas também – na AABB de Florianópolis, quando um trem enchuteirado descarrilou e tombou sobre minhas costas. De cristal como sou, conforme já me disseram, fui obrigado a deixar o gramado. As dores na cervical venceram a fome de bola.



     Fui para casa. E como todo bom peladeiro, tomei um analgésico e relaxante muscular. Cinco dias depois, a dor continuava, teimosa como um torcedor do Flamengo que insiste que o time dele é hexa. Estava na hora de interromper o tratamento e procurar o médico. Pierre, cadê você? Ao me receber no consultório, o sexagenário abriu o sorriso: “Conte-me tudo, embora eu já saiba que tem a ver com futebol”. Exames preliminares indicaram lesão na lombar. “Um raio X imediato e uma injeção para aliviar a dor”, condenou-me o profissional. Uma agulhada é tudo que um cara como eu teme. "É um trauma de infância", desculpo-me. Sinto o sangue gelar enquanto aguardo meu calvário. Sentado, espero a vez do suplício. Abro a mochila e saco um livro. Voltemos ao livro.



- Stalin perguntou a um deles, Konstantin Rokossovski, talvez por lhe faltarem as unhas das mãos: “Foi torturado na prisão?

- Sim, companheiro Stalin.



     A Corte do Czar Vermelho, de Simon Sebag Montefiore, descreve, conforme transcrevi acima, o encontro entre o caudilho soviético – Stalin – e um general que havia sido torturado nas tenebrosas prisões da falecida república. Lendo, pude ter uma ideia do que é sofrimento. Imagine, paisano, a dor lancinante que um vivente experimenta ao ter as unhas arrancadas com um alicate. Foi quando o enfermeiro me chamou. Empertigado, assenti com a cabeça e subi ao patíbulo. Ora, ora, o que é uma injeção frente ao sofrimento de Rokossovski?! Fechei o livro – tato -, cerrei os olhos – visão -, senti o cheiro do medicamento – olfato -, escutei o tilintar das ampolas – audição -, e senti o gosto da vitória – paladar. Quinze minutos depois, as dores começaram a fugir da minha cristalina lombar. O poder de um livro!

3 comentários:

  1. Com medo de injeção né marmanjo? Ótimo texto. Quando eu tiver q tomar injecao vou lembrar dele.

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  2. Desta feita você se superou. Que belo texto! Que bela forma de declarar seu medo de injeção! Parabéns!

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  3. Injeção bota medo em muita gente, Gilead. Mas tem coisas muito piores e mais profundas e que atingem a alma. Dura por muito tempo, mas o bom peão sabe controlar.
    Ler é realmente uma prazer inesgotável. Feliz o homem que lê.

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