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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O palavrão - Parte II

          Fiquei pensando, pensando, e quanto mais eu pensava mais certeza fui tendo: o palavrão, assim como a cerveja, dá status. Exatamente, teve uma época em que usar palavras de “baixo calão” era coisa para confrontadores da ordem social, fosse essa ordem uma beleza ou uma porcaria. O “nome feio” era símbolo, também, de falta de vocabulário. O cidadão não conhecia mais do que cinquenta palavras do idioma que consagrou José Saramago. Era imprescindível decorar umas três ou quatro bem vagabundas para poder xingar quem lhe incomodasse. Contudo, quarenta milhões de analfabetos é coisa do passado.


          Continuei a leitura do livro. Um funcionário do correio estaciona a motocicleta na frente da casa e entrega a revista semanal. Até porque, ele só poderia ter parado na frente da casa. Se fosse em cima da casa ele teria que ter vindo de helicóptero. E, venhamos e convenhamos, não sou nenhum Daniel Dantas para merecer tanta consideração por parte de uma estatal. A revista traz uma reportagem sobre o que? Sobre o que? Perfeitamente; sobre o palavrão. Saquei de primeira. Diferente do amor, que está fora de moda, o palavrão está com tudo e não quer prosa. Fiquei sem saber se o jornalista do semanário estava defendendo ou se contrapondo ao uso do “mardito”. Se você, leitor, é usuário contumaz dos termos que alavancou Dercy Gonçalves, pode substituir o “mardito” por um correlato de sentido oposto. Se não sabe o que é um correlato, por favor, pare de assistir o Big Brother e aprimore-se na língua que fala. E não me xingue, não sou culpado.


          Mais tarde eu fui assistir televisão. Parei em um canal local. A apresentadora não tinha mais do que vinte e cinco anos. Ela estava entrevistando um grupo de músicos. O entrevistado deixou escapar, no ar, um “caralho”.  Pediu desculpas, mas ouviu da moçoila que não tinha problema. “Eu mesma já falei tantos aqui”, justificou. Como o programa era muito ruim eu desliguei a TV e voltei ao livro. Pensei em substituir o “muito ruim” por um palavrão de um metro e noventa, mas contive o ímpeto. O Sheid, meu cachorro, disse que o programa era uma merda. E, abusado como é, me informou que nunca antes na história desse país ele tinha usado o termo, mas que passou a usar depois que o sumo pontífice brasileiro fez uso do fétido adjetivo.


          É, meu caro, o palavrão agora é o mocinho. No caso do rapaz do celular, e não é o único, o toque do telefone foi escolhido por ele. O guri acha bacana ser chamado de filho da puta. A que ponto chegamos; daqui a pouco vai ter religiosos dizendo: “venha para a minha igreja e ouça uma mensagem do caral...” Meu Deus, que sacrilégio. É a inversão total dos valores. E quem quiser descompor o companheiro terá que lascar um: “filho de Deus, por obséquio, dirija-se à senhora sua mãe”.

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