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terça-feira, 8 de novembro de 2011

Tamanduá presidindo o formigueiro

     Poucas vezes fui líder de classe nos meus tempos de colégio. Acho mesmo é que nunca fui. Exerci, algumas vezes, liderança sobre meus colegas, mas sempre me esquivava na hora da votação para escolha. No colégio mantido pela Força Aérea Brasileira, onde alicercei meus conhecimentos, o representante era mau visto pelos companheiros. Era uma espécie de dedo duro, pronto a assessorar o capitão ou o suboficial – diretor e vice, respectivamente. E eu não gostava de entrar na diretoria, nem para ser homenageado. Sábio como era à época, como todo bom adolecente, odiava quando o líder vomitava palavras em nome da direção da escola. “Babaca puxa-saco”, resmungava tão baixinho que apenas o ouvido esquerdo do meu colega mais próximo era capaz de escutar. Nunca fui chamado atenção e muito menos punido pelos militares que mantinham a ordem na instituição. Mesmo assim, não admitia a hipótese de ser candidato a líder. No fundo, no fundo, eu me dirigia direto aos milicos quando precisava conversar sobre algo importante. O líder era, para o Gile, um falso representante. Lembro que uma vez uns companheiros de sala estavam jogando pequenas bolas de papel na cabeça de quem estava na fila da frente. O professor até via o que estava ocorrendo, mas preferia ignorar. Levantei e fui claro: “se jogarem em mim eu vou chamar o capitão”. Pleft. Até hoje não sei quem fez o arremesso. O que sei é que todos emudeceram e ficaram da cor de algodão quando viram que eu me levantava e pedia autorização ao teacher para ir à diretoria.

      Voltei escoltado pelo oficial. Depois de um sabão, os suspeitos tiveram que acompanhar o fardado à sala dele. Ninguém questionou minha atitude, nem mesmo os punidos. Na faculdade de Administração e na de Jornalismo, o representante era uma espécie de menino de recado do coordenador. “Tô fora”, bradava o adulto Gile. Na agremiação religiosa que frequentei desde quando ainda não andava, sempre achei os líderes meio boçais. E me recusava a subir na hierarquia para não ser confundido com um deles. “Não são legítimos representantes do povo e muito menos de Deus”, ponderava o nordestino que aprendia a desconfiar da representatividade. Hoje, na quarta década por esta terra pampa que escolhi para dormir de boca aberta, cuspo na cabeça de quem vem com esse papo de que está falando como representante de um grupo, classe, ou seja lá o que for. Onde já se viu, meu Jesuizinho Cristinho, uma beldade qualquer ter a cara de pau de se achar procurador de um grupo heterogêneo? Um síndico, que é a menor representação administrativa da cidade, não representa os condôminos de um prédio, para se ter uma ideia. Uma meia dúzia de três ou quatro é que colocam o danadinho lá. Legal ele é, legítimo não. 

     Menos de cem alunos da USP (Universidade de São Paulo) decidiram manter a ocupação da reitoria da universidade. E deu um escarcéu danado para tirar eles do recinto. Levando em conta que a USP tem aproximadamente 82 mil alunos, e que alguns desses fizeram manifestação contrária aos desocupados ocupantes, a invasão não era legítima e nem legal. E uma coisa fica clara: se as formigas bobearem, o tamanduá será eleito presidente do formigueiro.

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