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terça-feira, 28 de setembro de 2010

Família é chacinada - Bruno estava entre os mortos

          Bruno está morto. E foi assassinado covardemente. Não teve direito, pobre coitado, à defesa contra matadores tão cruéis. Até poderia tentar se defender – e tenho certeza que o fez – mas seria, como foi, inútil. Um marginal, um delinqüente, um serial killer, não poderia ser contido por alguém como Bruno. Sendo mais de um hassassin, alem do mais, foi uma carnificina facilmente executável. Hassassin, ou consumidores de haxixe, era o nome dado aos membros de uma tribo persa que, à época das cruzadas, embriagavam-se com cânhamo antes de atacar e matar cristãos. Os executores de Bruno, tenho certeza, paisano, descendem daqueles incircuncisos. Bruno, por outro lado, era um baluarte da ordem, da moral e dos bons costumes.

          Bruno era um sujeito, posso chamá-lo assim, dentro da lei. A violência nunca foi, vale ressaltar, recurso por ele utilizado. Morava com suas duas mulheres, uma concubina e dois filhos. A mulher mais amada - e tem sempre uma mais amada, mais querida e mais admirável – era Tereza. Eu, que a conheci, sei que era a doçura personificada. A concubina chamava-se Letônia. Fragilíssima, coitada. Talvez por isso nunca parira. Os filhos de Bruno eram Mossab e Gumercindo. Crianças ainda, tiveram as vidas ceifadas pela horda de cruéis bandoleiros. Bruno era pai, marido e amigo. Amigo. Daqueles que a gente guarda, como cantou o poeta, do lado esquerdo do peito, dentro do coração. Eu, mais do que qualquer outro vivente, posso testemunhar a postura do morto. Nos fins de semana que eu visitava o sítio dele, ele era o primeiro a dar-me as boas vindas. Quando eu acordava, olhava através do vidro da janela e avistava-o olhando na direção da casa. Do alto do morro, onde ficava sua manjedoura, Bruno fiscalizava todo e qualquer movimento na chácara.

          Bastava um abrir de janela, uma música tocar ou um caminhar nosso. Era o sinal de que alguém havia acordado. Bruno descia o morro demonstrando claramente que já não agüentava mais tanta saudade. Se por algum motivo ele não notava que acordara, bastava eu chamar: Bruno, ô Brunão... Ele respondia imediatamente: béeeeee. E corria morro a baixo. A Tereza sempre o acompanhava. O casal não dispensava uma casca de laranja. Bruno tinha o que eu costumava chamar de complexo de cachorro. O bicho se comportava como se fosse um cão, nunca feito carneiro. Costumava me acompanhar por onde eu fosse. Quando se dispersava, bastava um chamado meu e ele vinha. Adorava encostar a cabeça na minha perna. Eu já sabia, queria carinho. Uma escovada no pescoço era suficiente. Bruno não era um animal de criação, era animal de estimação. Ele preferia a nossa companhia à da família. No domingo à tarde, quando ele percebia que iríamos embora, ficava atravessando em nossa frente. Queria impedir que entrássemos no carro. Vezes sem conta, botou a cabeça dentro do veículo. Parecia tentar impedir que fechássemos a porta. Ao perceber que perdera a disputa, corria para a frente da casa, que fica em um platô acima da estrada, e acompanhava nossa partida.

Bruno, sim, era o cara.

          Não pude me despedir do meu amigo. Estava viajando, quando recebi uma ligação informando que animais desconhecidos haviam entrado no sítio e matado Bruno e família. Dentes ferozes abriram Bruno ao meio. O pescoço foi rasgado, provavelmente o alvo do ataque. A lã ficou intacta. Os endemoninhados foram no ponto mais vulnerável do carneiro – a barriga sem lã. A espessa lã que o cobria dificultaria as mordidas do inimigo. Astutos, os assassinos mutilaram-no pela barriga. Claudinei, o responsável por enterrar a família chacinada, disse que nunca viu nada igual. “Eu acho que foi o leão baio; cachorro não faria isso”, concluiu.

         No último fim de semana fui ao sítio. Foi duro olhar o lugar onde Bruno foi enterrado. Do alto da varanda do quarto eu observava o lugar do seu martírio. Como sofreu meu amigo. Olho os pássaros voando e tento esquecer a tragédia. Quando passo a vista pelo terreno na beira do rio, a terra revirada indica que o corpo de Bruno está sob aquele terreno mexido. Tento não pensar. Mais tarde, quando vou chupar uma laranja, a saudade me assalta. Reprimo as lágrimas. Adeus Brunão.

Um comentário:

  1. Estamos chocados Lillo, foi muita maldade mesmo sei que a sua alma foi rasgada e está sangrando, só o bálsamo e consolo do Altíssimo para te amparar e segurar. Um grande abraço para todos vocês. Fica com o Senhor Ele vai restituir.

    Mas se foi um leão/puma deveria ter atacado o bezerro também e os animais dos vizinhos não é?

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