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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A morte do imaginário

          Tinha sempre alguém incumbido da tarefa. A gurizada sentava e apurava o ouvido para não perder um detalhe, sequer. Por gurizada entenda-se eu, meus irmãos e alguns primos que não apreciavam a monótona vida da cidade e faziam do nosso sítio uma extensão de suas casas. A luz da lamparina dava às histórias de assombração um aspecto muito mais assustador. Em se tratando de romance, a mesma iluminação assumia ares de doces acordes. Gostávamos de ficar na mesa da cozinha. Tinha uma janela voltada para o rio de Ponte Velha. Quando o falecido Merval contava causos de suspense, meu Deus, quantas figuras macabras desfilavam janela abaixo, na direção do fluxo de água. Nossa casinha simples ficava em um platô que se elevava acima do rio; uns cem metros. Em noites mais quentes, a abertura na parede era cobiçada, mesmo com os riscos que corríamos de sermos tragados por monstros ferozes que eram infiltrados em nossas cabecinhas. Seres quasímodos que habitavam nosso imaginário vindo da boca de hábeis contadores de histórias. E friso história com um H. Um H graúdo, que só criaturinhas inocentes são capazes de entender.


          Como era difícil dormir sem antes ter ouvido um conto, uma história ou um caso qualquer. E quando não tinha um narrador oficial, minha irmã mais velha assumia os ares de dramaturga. Por “increça que parível”, as exposições ficavam bem mais interessantes, embora menos críveis. Interessante porque passavam a ser interativas. Sendo minha irmã uma das nossas, nos víamos no direito de interferir no desenrolar de ideias. Era um tal de “fulana não pode morrer”, uma sugestão do tipo “o fim não foi bom, dá uma alongadinha mais, vai”. Eram meus primeiros contatos com a chamada participação do ouvinte, que a mídia só descobriu na última década. O lado negativo era saber que, se nós podíamos dar “pitaco”, o causo era, de fato, uma invencionice. De sorte que gostávamos de mesclar o “real”, muitas das vezes inventado por minha mãe, com o “falso e interativo”, expostos por minha irmã.


          O fato é que tínhamos histórias para ninar-nos. Os tempos mudaram. E hoje, quando uma criança de dez anos vai dormir, apura os olhinhos na frente do computador. Site de fulano, blog de beltrano e twitter de sicrano. Ah, imaginário infantil, onde morrestes? Estou lembrando do verso do poeta que diz:

"Me disseram que sonhar
Era ingênuo, e daí?
Nossa geração não quer sonhar
Pois que sonhe a que há de vir
Eu preciso é te provar
Que ainda sou o mesmo menino
Que não dorme a planejar travessuras
E fez do som da tua risada um hino".
Oswaldo Montenegro

Um comentário:

  1. Maravilhosooooooooooooo! Emocionanteeeeeeeeeeeeee! Fiquei tremendamente sensibilizada com as recordações de um tempo que não morrerão NUNCA em meu imaginário...

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