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terça-feira, 3 de novembro de 2009

Entrevista com traficante

E aí, beleza?

Na semana passada entrevistei o traficante PC, 33 anos, em um dos morros da capital catarinense. Encontrei-o por volta das 14:30 no alto do morro. Moreno claro, 1.70 de altura, cavanhaque, cabelo cortado na máquina dois e algumas tatuagens no braço esquerdo. Bermudão do tipo surfista, chinelo de dedo, celular sem câmera e sem crédito. Falava quase o tempo todo, olhava para os lados insistentemente, na maior parte do tempo me olhava nos olhos.

Quando conversava, o sotaque denunciava sua origem: carioca; da Baixada Fluminense. As palavras pronunciadas de maneira errada, os verbos mal conjugados e a limitação de vocabulário acusavam o grau de instrução: "Fiz até a oitava série", esclareceu.

PC nasceu em uma família humilde de Berford Roxo - "mas eu tinha de tudo, video-game, comida" - e começou a usar drogas aso 13 anos. "Eu fui vendo meu primo usar, provei e gostei", explica. Quando tinha 16 anos passou a roubar carros para desmanche. "Roubava porque gostava de roubar, não era porque não tinha as coisas, não. Aquilo me dava emoção. Era igual transar. Depois eu parava pra pensar, mas já tinha feito", diz isso e baixa a cabeça.

Preso, foi enquadrado no artigo 157 do Código Penal Brasileiro e pegou 9 anos de xadrez. Puxou três e foi para a condicional. Na Cidade Maravilhosa foi obrigado a morar nos principais presídio: Bangú, Frei Caneca e Água Santa. Quebrou a condicional e perambulou por vários lugares até chegar em Florianópolis. Na cidade de Gustavo Kuerten o esporte a ser praticado não tinha nada de saudável. "Outra vez caí no 157", lamentou. ficou um ano e dois meses na penintenciária e teve relaxamento de prisão. Fugiu. Daí para o tráfico de entorpecentes foi um pulo.

Aos 33 anos PC  pensa em largar a contravenção. "Tô doido para sair dessa vida, mas tenho medo de me apresentar no Forum. Se a Dra. me deixar no albergue eu deixo essa vida", promete.


A entrevista


GM - Por que você resolveu abandonar o tráfico?
PC - Porque eu não quero que as minhas crias me vejam na cadeia. Eu sei que se continuar nessa vida eu serei preso. Minhas crianças estão crescendo e daqui a pouco vão perguntar em que eu trabalho...

GM - Mas você tem um chefe, aqui no morro, ele permite essa tua mudança?
PC - Claro, irmão. Eu nunca caguetei ninguem. Todo mundo, aqui, me conhece. Sabe que eu sou um cara certo.

GM - E como você espera sair dessa vida?
PC - Eu peço a Deus que coloque alguem na minha vida para me dar uma luz. Eu tô cansado.


O lucro chega a 100%


GM - Quanto você ganha por mês com a venda de droga?
PC - Ah, deixa pra lá, mas o lucro chega a cem por cento. Se eu vendo a vinte reais é porque recebi por dez, entende?

GM - Você acha que pode conseguir um emprego onde consiga ganhar o mesmo salário?
PC - Não me interessa quanto vou ganhar. A liberdade vale. Eu trabalho de pedreiro, qualquer coisa. Mas eu sei trabalhar em serigrafia.

GM - Você está arrependido do que tem feito?
PC - Claro, irmão. De vez em quando eu me pergunto por que estou nessa vida. Já chorei, e tudo.


Eu não sou vagabundo


GM - Alguns apresentadores de televisão chamam os traficantes de vagabundos, você se considera um vagabundo?
PC - Eu não. Eu sou batalhador. Tô na luta. Tenho mulher e filhos pra criar. Não tô roubando ninguém. Vagabundo é o cara que é sustentado pelos pais.

GM - Você pensa nas famílias que sofrem com os filhos nas drogas?
PC  - Eu não lembro de ter vendido a menor. Nunca vendi. Ou melhor, eu nunca ofereci a ninguém. Eles vêm até mim. Eu não desço o morro pra oferecer nada. Quem quer vem aqui, ou me liga e vem buscar.

GM - E o seu telefone, não é grampeado?
PC - Eu troco de chip todo mês.

GM - Que tipo de droga você vende?
PC - Só vendo pó. A maconha é muito volumosa.

GM - Qual o valor mínimo a ser vendido?
PC - Dez reais.


Deputado subiu o morro pra comprar Pó



GM - Quais os seus clientes mais importantes?
PC - Já teve deputado que veio comprar aqui, teve vereador. Esses caras gostam.

GM - Os morros de Florianópolis são tão perigosos quanto os do Rio de Janeiro?
PC - Que nada, isso aquí é uma maravilha. Não tem nem comparação.

GM - Onde você prepara a cocaína para ser entregue?
PC - Na minha casa.

GM - E os seus filhos?
PC - Na minha casa tem um quarto que só eu entro. Eu preservo meus filhos.


As Igrejas não fazem nada por nós


 GM - Qual o lazer de vocês?
PC - Que lazer, irmão, aqui não tem nada pra fazer. Nem um campinho pra nós jogar uma bolinha. O lazer é ir pra beira do mar pegar um baseado.

GM - Você sente que o morro é abandonado pelo poder público?
PC - Claro. Ninguém tá nem aí pra gente. Agora até que tão fazendo umas coisinhas, pra enganar.

GM - E as igrejas, aqui instaladas, fazem alguma coisa por vocês?
PC - Sim; tomam dinheiro. Só sabem pedir dinheiro. A única que faz alguma coisa é a Bola de Neve.

GM - Bola de Neve?
PC - É, a Bola de Neve vem todo sábado visitar a comunidade. São umas pessoas legais. Minha mulher, inclusive, tá fazendo parte dela.

Nessa hora PC pede licensa. "Tão subindo uns caras, vou olhar se são P2" ( políciais). Passado cinco minutos ele volta. "Não era, graças a Deus".

Um comentário:

  1. poisentão juvenal, o que um cara desse pode esperar da vida, aliaás, ele não espera muito. É uma pessoa que busca a condição de sobrevivencia, negada po todos esses anos de busca pelo nosso próprio Estado brasileiro. Se ele não conseguir sair do tráfico no final das contas, será mais um, apenas mais um.

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