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segunda-feira, 17 de maio de 2010

Planeje agora ou incomode-se para sempre

           Um mar calmo, um barco a vela, uma tarrafa, cinco peixinhos recém-pescados e uma gaivota. Ah, faltou o céu – azul. Não, não estou falando de uma paradisíaca paisagem perdida no oceano pacífico. Apenas retrato Florianópolis. Claro, no imaginário de um artista. A cena reproduzida pode ser vista em um quadro afixado na parede de uma ONG na Ilha da Magia, apelido carinhoso dado à terra do poeta Cruz e Souza. A obra de arte – cujo tema é “O que você espera para Florianópolis no Futuro?” – trás na legenda uma referência à expectativa da população florianopolitana sobre o futuro do lugar onde mora. Seria belo, se não fosse utópico. O mar da Ilha de Santa Catarina quase sempre é agitado pelos fortes ventos. O barco a vela foi substituído, há décadas, por embarcações motorizadas. A tarrafa só é usada na pesca artesanal, ou por hobby. Os poucos peixes deram lugar às toneladas de pescados movimentadas no Mercado Público diariamente. Gaivotas ainda têm, mas dividem o espaço aéreo com aviões e helicópteros, cujo número cresce dia após dia.


 

          O que se vê hoje em dia, na cada vez mais badalada Floripa, é um trânsito insuportável, falta de saneamento básico e má distribuição da população. As construções seguem um rumo sem freio e desordenado. O manguezal é aterrado e cede espaço para condomínio de luxo  Os morros são achacados por edificações irregulares que roubam-lhes o verde e colocam, no lugar, o mórbido traço humano que mata a ilha aos poucos; ou, em certos casos, aos muitos. No verão os problemas são potencializados. Milhares de turistas invadem as mais de quarenta praias da cidade. Paulistas, gaúchos e argentinos – só para citar alguns - fazem a população do ilhéu aumentar até 50% em um único dia (dados do IPUF). Como o turismo é uma das atividades econômicas mais importantes do lugar, a tendência é esse número crescer mais ainda nos próximos anos. Mas é um turismo sazonal, que gera ocupação desordenada da orla. Tendo quase quinhentos mil moradores e sofrendo com sérios problemas de infra-estrutura, uma palavra foi incorporada ao discurso de governantes e munícipes: planejamento.

          A ONG Floripa Manhã, que desde 2005 tem contribuído com estratégias para o desenvolvimento sustentável do município, elaborou o projeto Floripa 2030. Nas palavras da Organização, trata-se de “um processo de construção de estratégias de desenvolvimento econômico, sócio-cultural e urbano-territorial. É uma iniciativa de múltiplos setores da sociedade civil”. Conforme a ONG, em 2030 a população local chegará a 1.300.000 pessoas – entre residentes e turistas. O estudo propõe, dentre outras, as seguintes mudança: diminuição do ritmo do crescimento na ilha, direcionando para o continente, parte da população esperada; promoção de um turismo com valor agregado, mais preocupado com a qualidade do que com a quantidade; melhoramento dos transportes públicos. Elizenia Becker é presidente da Floripa Manhã e afirma que “nossa iniciativa foi porque percebemos que Florianópolis estava precisando de um projeto a longo prazo. Havia muitas opções imediatistas e pouco estudo de futuro”. Segundo Elizenia os problemas enfrentados pela cidade originam-se da falta de planejamento por parte dos ex-prefeitos, mas alivia na crítica: “É que não havia cultura de planejamento. É um mal do país. O Brasil tem um planejamento a longo prazo”? Ela ainda faz um alerta à população local: “Se continuarmos crescendo desordenadamente, eu não dou dois anos, Florianópolis vai parar. Vai virar um inferno”.

 Plano diretor participativo pode ser a única alternativa

          A prefeitura resolveu arregaçar as mangas e empenhou-se, desde 2006, em criar um Plano Diretor Participativo, com o intuito de fazer uma leitura comunitária dos problemas da cidade, bem como planejar o município para enfrentar o crescimento nos anos vindouros. Para isso foi contratada, via licitação pública, a Fundação CEPA/Brasil que articulou metodologicamente as elaborações demandadas. O PDP contempla obras para suprir deficiências na mobilidade urbana – melhoria da malha viária e implantação de novos meios de transporte -, e estudo para ocupação do solo, entre outras coisas. Conforme o Diretor-Presidente do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF), Átila Rocha, “o último grande planejamento para Florianópolis foi feito na década de 1970, e só teve reinício em 2005”. Para ele a cidade sofre o efeito da falta de planejamento. Átila entende que o futuro da capital depende da implantação do PDP, que está prestes a ser votado pela câmara dos vereadores: “Se o plano não for aprovado eu não sei o que vai acontecer com essa cidade; mas eu tenho que ser otimista”.

          “Pra me tirar daqui eles vão ter que pagar uma indenização, e tem que ser mais de cem mil. Por cem eu não saio. Já tenho um advogado cuidando disso”. Essas palavras foram pronunciadas por Osmar Antônio Modesto(foto acima), 34 anos, que mora em um casebre de madeira sob a cabeceira continental da ponte Hercílio Luz, cartão postal de Florianópolis. Morando embaixo da ponte desde 2003 ele usa o local como depósito de material reciclado. A desapropriação de moradores que vivem em áreas impróprias é apenas uma tíbia amostra da dificuldade que a prefeitura enfrenta para fazer planejamento. Será que vamos esperar acontecer aqui o que ocorreu na Ilha da Madeira (Portugal), onde as fortes chuvas destruíram centenas de casas construídas em zonas de riscos acentuados, apesar do alerta feito anos antes pelas autoridades competentes? Reportagens produzidas pela Rede de Televisão Portuguesa (RTP) em 2008 no Funchal, capital da Madeira, dão conta da irresponsabilidade dos governantes que não coibiram as construções em locais vulnerabilíssimos. Vale ressaltar que a Laurissilva, floresta que cobria a ilha, foi praticamente destruída pelos colonizadores, deixando o solo exposto à erosão. Até quando vamos ficar "sentados no trono de um apartamento, com a boca escancarada e cheia de dentes esperando a morte chegar”, como cantou Raul Seixas?

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