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sexta-feira, 14 de maio de 2010

Viva a revolta!

          Coitado! Pobrezinho, diria um piedoso. Dá pena, choraria minha mãe, dona Margarida. Eu achei o máximo. A mais pura expressão da vontade própria. Um sonoro “não” nos olhos boquiabertos da mulher. Um desprezo merecido à ignorância de quem insiste em alterar a natureza. Um protesto silencioso contra essas barbaridades cometidas pela sociedade dita moderna. Ele sentou-se na calçada. Resignado. E quando eu passei ele me encarou com uns olhos de “quer o quê”. Dei risada. Que moral. A dona não sabia o que fazer. Contentou-se em segurar a corrente que estava presa à coleira do insubordinado.



          E a cena se passou na frente do prédio onde mora a madame; o que foi mais humilhante ainda. Ora, ora, o cachorro estava voltando do animadíssimo passeio matinal quando percebeu que seria, mais uma vez, trancafiado no apartamento da desumana. Foi quando o espírito de Dom Pedro I se apoderou do canino. Olhou para a sedutora sarjeta e gritou em silêncio: “Eu quero é morar na rua”. Eu ouvi, juro por Deus, ouvi. E só não me juntei ao camarada porque minha mulher me puxou pelo braço. “Onde já se viu, parabenizar um pulguento desses!”, deu-me um safanão.

          Fui embora aplaudindo o simpático cafajeste. Deve ser doído, amizade, para um cão, ter que ficar preso dentro do apartamento do dono. Ainda que esse possuidor acredite que esteja fazendo o bem ao irracional. E eu até concordo com esse tipo de criação, mas desde que o latidor possa pegar o elevador social sempre que tiver vontade. Desde que ninguém, com mania de limpeza, incomode-se com o perfume de rabugem que o malino exala em dias chuvosos. Desde que a cuscada possa se encontrar para momentos amorosos, geralmente envolvendo uma cadela e vários apaixonados. Não sendo assim, sou favorável a revolta muda dos bichos, como a que acabei de contar.

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