Utilização do conteúdo

Autorizo o uso do material aqui produzido, desde que seja dado crédito ao autor e não tenha uso comercial

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Toda noite eu sonhava com o banquete que aquele cachorro comia

          Tem certas expressões que perdem o sentido à medida que o tempo passa. Caducam. Envelhecem, perdem o viço e só lhes resta a lembrança. Em certos casos, nem a lembrança. É, paisano, nosso idioma é vivo, e por ser vivo é mutante. Quando criança este amanuense costumava reter na cachola frases que achava bonitas. Que o tocava. Que o fazia pensar. Nunca esquecerei quando ouvi, pela primeira vez, um maluco dizer “isto aqui tá um cabaré de cego dentro de um balaio de gato”. Simpatia, fiquei noites sem dormir imaginando a cena. E ficava inculcado com esse tipo de coisa. Só desencanava quando ouvia uma nova, tipo “sou igual goiano, gosto de pegar para saber se o trem é bom”. Ou ainda, “cobra que não anda não engole sapo”. Hoje, entretanto, li uma manchete no jornal Tribuna da Bahia que me fez voltar ao passado: “Dia de cão para os usuários de ônibus”.



          Peço desculpas antecipadas ao editor do nobre periódico, mas a chamada para a notícia é equivocada. Isso mesmo, um engano. Fui ler a reportagem e tive certeza do erro. Quando li “Vida de cão”, imaginei imediatamente em ônibus de luxo. Supus motoristas simpaticíssimos e prestativos, prontos para dar a mão ao idoso que adentrasse ao veículo. Ingênuo que sou, idealizei ar-condicionado e comida a bordo. Sem falar em toaletes limpos e perfumados. Coisas que qualquer cãozinho chinfrim desfruta hoje em dia. Ou não é assim? Vossa excelência tem um porta-pulga em casa? Então sabe do que estou falando. Um sanitário canino chega a custar noventa reais. Um bacio para o dono pode ser encontrado por trinta, quarenta contos. Tem mais.

          Um quilo de filé-mignom não custa mais do que quarenta pila. Tem ração que não sai por menos de cem mangos, o quilo. Pago dez reais no meu xampu. Se for para cachorro é vinte. Corto o meu cabelo por quinze. A tosa do cão é trinta. Mas vamos combinar, no tempo em que se amarrava cachorro com lingüiça eles eram maltratados. Daí a expressão usada pelo jornal baiano. Hoje em dia tem até office-boy de cachorro. “Perfume de cachorro, francês. Comida de primeira todo dia. Toda noite eu sonhava com o banquete que aquele cachorro comia. Tanta gente passando fome e cachorro na mordomia”. Assim canta Juraildes da Cruz, assim eu percebo a realidade ao meu redor. Os usuários de transporte coletivo de Salvador não tiveram um dia de cão. Tiveram um dia de povo. Um dia de populacho. Um dia de pobre. Aí eu me lembro daquela frase: "Deus, me deixa ser pobre por um dia, porque todo dia é f... "

3 comentários:

  1. kkkkkkkkkkkkkkkkk. Dez gilead.

    ResponderExcluir
  2. Muito boa.
    Cabaré de cego... rsrsrsrs

    ResponderExcluir
  3. estudei com vc e na estácio e nao sabia q era tãooO boommmM....se escondia heimmmm

    ResponderExcluir