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segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Hoje tem futebol? Tem, sim senhor!

Pelada de domingo é uma festa, no interior do Rio Grande do Norte.


           Baimba, Caçote, Ôi de Fusca, Nêgo Chimba e outros amigos estão reunidos para mais uma partida de futebol. Na verdade, não é mais uma. Hoje será a confraternização de fim de ano da patota. Uma mangueira frondosa serve de ponto de encontro para quem vai chegando. A maioria vem de bicicleta e a sombra da árvore é o estacionamento perfeito para as magrelas. Em Nízia Floresta, onde estou, tem um sol pra cada jogador, como dizem por aqui. Quem vem, só para assistir também recebe um. São 9h. Uma caminhada de cem metros é o suficiente para me avisar que é melhor ficar bem abrigado. Para quem não conhece, Nízia é uma cidade de  aproximadamente 22 mil habitantes, situada a 43 km de Natal, Rio Grande do Norte.


          Edinaldo Ribeiro(foto) tem 39 anos. É um dos goleiros da turma. Professor do ensino fundamental no município, não cala a boca um minuto. É ele quem apresenta os colegas. Se bem que os companheiros parecem preferir não serem citados, pois ao invés do nome ele os chama por apelidos. E, venhamos e convenhamos, as alcunhas não são lá das mais bonitas. Pelo que percebo, pouquíssimos são chamados pelos nomes de registro. Edinaldo é um desses, óbvio. O tempo passa e nada da bola rolar, parece que as brincadeiras, provocações e risos não permitem o início da peleja. O árbitro começa a soprar o apito com mais veemência. É o aviso que faltava, agora vai.



          Antes de tudo, os atletas fazem um círculo no meio do campo. Abraçados lembram que o dia é de comemoração. Em seguida fazem uma oração. Quando a prece é encerrada um deles chama para o grito de guerra: “olha o Corinthians aí, menino!”. Em coro, e com as mãos sobrepostas, todos respondem: Corinthians! Quando parece que o ponta-pé inicial será dado um corintiano começa: “parabéns pra você”... ovo e farinha de trigo homenageiam o aniversariante. Não tem mais pra ninguém, a partida começa. Nesse momento vejo um dos atletas deixar o gramado e se dirigir ao banco de reservas. Fui logo tratando de perguntar: - Ué, você com a camisa 10, vai ficar no banco? A resposta veio numa simplicidade própria do nordestino: - É que todo mundo tem a camisa 10. Só então percebi que, realmente, todos que vestiam a camisa roxa do clube paulista usavam o mesmo número.



          Confesso que fiquei surpreso com o nível da pelada. O bom toque de bola, a habilidade e o preparo físico eram notórios. Sim, tem gente que não consegue acompanhar o ritmo frenético da moçada e busca os atalhos do campo. É o caso de Baimba(foto), que aos 61 anos é o mais “rodado” em campo. Sai o primeiro gol do jogo. É aí que aparece um gorro de Papai Noel para lembrar que estamos no período natalino. O tento fica em segundo plano, o souvenir vermelho e branco faz mais sucesso. Sai o segundo gol. Agora é a vez dos “apelidados” irem à forra em cima do goleiro gozador, o Edinaldo: “frangueiro, gluglu”. É que a bola passou por entre o vão das pernas do arqueiro. Muito bom goleiro, por sinal. No intervalo ele me procura: “tu não vai colocar aí que foi frango, né? Passou de baixo das pernas, mas não foi frango”. Concordo de imediato, antes que ele coloque um apelido em mim também.

Enquanto todos tomam água, e outras coisas mais, e esperam o retorno para o segundo tempo, o teor das conversas não difere em nada das que se ouvem pelos campos do Brasil a fora. Se bem que os termos usados...
- Juiz sopapo, só apita no grito. Esbraveja um descontente.
- Assim tu me lasca. Conclui outro.
Pergunto ao árbitro, se ninguém mereceu um cartãozinho, sequer. “Não, só se derrubar a panela de comida. Aí ele é expulso”, brinca o apitador.


          Um jogador se destaca. Com um domínio de bola perfeito ele dita o ritmo do jogo. O nome dele é João Carlos. Tem 25 anos e parece não sentir o efeito dos raios solares. Desloca-se o tempo todo, marca e dribla. É o maestro da equipe. Já foi profissional. Disputou o campeonato Norte-Riograndense pelo Potiguar de Parnamirim, cidade vizinha. O baixo salário que recebia, quando recebia, mandou João para a várzea. “No estadual eu ganhava R$ 280,00 por partida e, às vezes, eles não tinham dinheiro para pagar. Dá futuro não. Agora eu jogo pelos times aí e ganho mais. Alem disso trabalho numa fábrica”. O rapaz do interior bem que poderia estar em um time de ponta do futebol brasileiro, tem bola para isso. Mas quem conhece um pouco de bastidores do futebol sabe que não é só pelo talento com a "gordinha" que se chega a um grande clube. Em primeiríssimo lugar vem o empresário. É ele que diz quem joga, aonde joga e quando joga. João não teve um empresário. Pior para o futebol brasileiro. Se o Figueirense tivesse um jogador como ele no elenco, tenho quase certeza, teria subido para a primeira divisão.


          Termina a partida. Corinthians vence por 4 a 3. Tudo bem, como os dois times são Corinthians, a vitória fica em casa. Suportar o calor já é uma vitória. Vencedores e vencidos, irmanados pelo churrasco, esquecem o placar e festejam juntos. Vou embora com o compromisso de relatar apenas o que vi para ninguém ficar chateado. Volto a prometer para Edinaldo que não vou dizer que foi frango. Estou cumprindo essa promessa. Quanto a relatar o que vi, achei melhor fazer uns cortes. É pra ninguém ficar com raiva.


7 comentários:

  1. É...SE O FUTEBOL profissional (minúsculo de propósito), CONSEGUISSE MANTER AS RAÍZES, ASSIM COMO OS DE VÁRZEA, TALVEZ PUDÉSSEMOS CONTINUAR ASSISTINDO A VERDADEIRAS PARTIDAS DE FUTEBOL COMO DANTES, e não esse teatro armado que vemos nos dias de hoje. Parabéns pela matéria! Feliz Natal...

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  2. Parabéns pelo jeito leve de escrever!Faz até mulheres que não tem tanto interesse por futebol, como eu, ler toda a matéria e achar legal.Quanto ao sol em Nísia, comentado por você,hoje está mais quente ainda, afinal o verão começou.Feliz Natal!

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  3. Obrigado pelo elogio. Quanto ao sol, em julho eu vou conferir. Feliz Natal.

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  4. Moço, moço, realmente vc nos leva na leitura, mto legal o artigo, continue compartilhando...
    Feliz Ano Novo.
    Da mineira

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  5. Ah, que bacana! Quando verei algo de Currais Novos ou Acari? É bom ler sobre algum lugar em que você já esteve!

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  6. Oi, Angélica.
    Assim que eu voltar ao sertão farei uma especial sobre Acarí; prometo.

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