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quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Sanhaçu-fêmea

          Hoje acordei por volta das seis e meia. O sol estava preguiçosamente abrindo os olhos por trás dos morros que cercam minha janela. Sempre que estou no sítio eu acordo antes do astro-rei, isso deixa o dia mais comprido e aproveito melhor o tempo longe do stress urbano. Meu primeiro ato é dar comida aos pássaros. Em seguida sento na varanda e fico observando a festa que eles fazem. E que festa! Em meio aos pousos e decolagens dos plumados um sanhaçu me chamou a atenção. Estava acompanhado de sua digníssima, a senhora sanha... sanha... ah, não sei como chamá-la.




         Isso me deixou intrigado. Recusei-me a chamar a bela ave de sanhaçu-fêmea. Claro que me recusei! Onde já se viu! Ela não depende do macho para se alimentar, não lhe pede autorização para voar nem dinheiro para tingir as belas penas azuis que lhe cobrem o corpo. Ela é totalmente independente, mesmo assim não tem um simples nome. E não tem porque um machista e analfabeto não pensou em um nome sequer para dar à coitadinha. Agora, veja bem, ela está condenada a viver sob o nome do marido para o resto da vida. Se ela se divorciar e casar com um pardal continuará sendo chamada de sanhaçu-fêmea. Se, que Deus a livre, desposar um urubu, mesmo assim vão se referir a ela pelo nome do ex.

          No parágrafo acima falei no machista analfabeto. Vou explicar: quem foi que deu nome aos pássaros da fauna brasileira? Por acaso foi uma mulher? Venhamos e convenhamos, não ter um nome decente para dar a uma coisa tão linda, meiga, e autônoma, como a fêmea do sanhaçu, é – no mínimo – ser analfabeto. Gente, ele poderia ter feito  uma enquete na família e escolher um nome para a ave. A filhinha do ignorante poderia sugerir um nome. Sei lá, Jurubeba. Não é um esplendor de nome, mas é melhor do que não ter.  O que eu entendo é que as coisas não podem ficar assim. Condenar um ser humano a viver para sempre carregando o nome do esposo é cruel, muito cruel. Ser humano, sim! Ora bolas, se ela não é um ser humano é pura questão de nomenclatura.


          Volto a explicar. O que tem de mulheres que vivem à sombra do marido, que dependem do desgraçado para mudar a cor do cabelo e que não ajudam em nada no lar! Mesmo essas, quando se separam do mequetrefe, têm o direito de mudar o nome. E são chamadas de humanas. Porque a fêmea  do sanhaçu não poderia ser? É uma questão de convenção. Não que as mulheres não tenham o direito a fazer tudo que enumerei, têm até mais. O que me intriga é que a coitada da sanhaçu-fêmea não depende em nada do consorte – como já falei – e mesmo assim não tem direito a um nome que a distinga. Estou chateado com essa situação. Se eu fosse do governo iria propor uma "bolsa-nome". Todo ser vivo teria direito a ter um nome. Até o piolho, quanto mais as aves!


          Enquanto o governo não baixa um decreto que dê o direito a todos os seres de terem um nome, eu vou fazer as coisas à minha maneira. Decidi que vou chamar os pássaros de uma forma que lhes dê dignidade e singularidade. Nada de tratar um ser vivo como se fosse uma coisa qualquer, um vereador, um deputado, um senador...

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