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quinta-feira, 28 de abril de 2011

O jogador que beijou muito

     Não, não sou saudosista. Não superestimo o passado. Não digo que os tempos idos foram melhores do que os atuais. Seria imprudente falar assim. Não recordo apaixonadamente o fato de ter direito a um par de sapatos por ano. E era assim na minha infância. Mas como esquecer o primeiro kichute que ganhei? No início dos anos 1970, esse calçado fez sucesso no Brasil. Era um misto de tênis e chuteira. E a meninada adorava. Imagine só: a gurizada, ao mesmo tempo em que ia estudar, estava prontinha para uma partida de futebol. E isso, depois da conquista do tricampeonato de futebol pela Seleção Brasileira no México, foi como mel na chupeta. A Alpargatas, fabricante da marca, chegou a vender 9.000.000 de pares em determinado ano. O pirralho que não tivesse um, não era gente. Quando fui presenteado com um, foi a glória. É legal lembrar-se disso, mas é um tempo que se foi. E o prazer de ganhar um kichute não supera, nunca, a dificuldade pela qual passávamos. Hoje, tudo é mais fácil. As diversas marcas de tênis desfilam nos pés da macacada como se fossem chuchu na serra. O passado uso como lição, como aprendizado, como escola. Por isso não sou saudosista. Até prefiro os dias atuais. É, mas tem umas coisas da chamada modernidade que não entram na minha cachola.

     O futebol, por exemplo. Já contei, em outras crônicas, que o rádio de pilhas fez meu imaginário ganhar ares de Spielberg. Com o passar do tempo e o advento da televisão, as partidas futebolísticas tornaram-se produto comercial. E nada mais que isso. E como tudo que envolve dinheiro merece, no mínimo, ser questionado, desiludi-me com o esporte bretão. Continuo gostando do danado, mas não acredito nem um pouco em sua lisura. Até que é aceitável o fato da modalidade ter virado comércio, pois o mundo é puro comércio. O nascimento é um comércio, viver um comércio, o casamento é um comércio, e até a morte – por incrível que pareça – é puro comércio. Tem coisas, entretanto que passam dos limites.

     Ontem, assisti 15 minutos do jogo entre Real Madri e Barcelona. O futebol jogado pelas duas equipes era infinitamente pior do que o das peladas que participo na AABB de Floripa. O problema é que, além do péssimo futebol, o telespectador ainda tem que ouvir asneiras de pseudos-jornalistas. Em determinado momento, ao se referir a um atleta do Barcelona, o narrador esbaldou-se: “Ele beijou muito na boca nesse final de semana”. O ignorante profissional nem ao menos sabe a sutil diferença entre fim e final. E é fácil: só tem final quem tem inicial; quem tem início tem fim, não final. Assim sendo o tal jogador, caso tenha beijado muito, o fez no fim de semana, nunca no final. Língua portuguesa à parte, mas continuando em matéria de língua, o que eu tenho a ver com os beijos de um peladeiro? Será que o tal narrador pensa que disse alguma coisa importante e que tenha a ver com o futebol? Ou o cara é viciado em novela, apesar dele não ser da Globo? Aí não tem jeito, paisano, “que saudade do meu rádio de pilhas”.


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