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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O jornalista, o diploma e a inocência


     Foi numa palestra na Faculdade Estácio de Sá, aqui mesmo, em Santa Catarina. Quem estava com o microfone era Sérgio Murillo de Andrade, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) à época. Entusiasmado, o ex-funcionário da Gazeta Mercantil defendia com unhas e dentes a obrigatoriedade do diploma universitário para o desempenho da profissão de jornalista. Sem ao menos pedir permissão para interrompê-lo, uma moça tirou a bunda da cadeira e anamariabregou: “jornalista é vocação; sou totalmente contra a obrigatoriedade do diploma”. Um colega da estudante, bem mais educado do que um pernilongo no crepúsculo, tentou se mostrar bem informado: “nos países desenvolvido o diploma não é obrigatório”.    Murillo, acostumado aos acalorados debates sindicais e com os escutadores de novela calejados de ouvir bobagens, não fugiu da briga – que pelo tom de voz dos acadêmicos a coisa virara uma briga de foice em um elevador sem energia – e replicou à altura as intromissões. O auditório virou um cabaré de cego dentro de um balaio de gato. Paulo Scarduelli, então coordenador do curso de jornalismo da instituição, entrou no debate e quase apanhou. A discípula de Sabrina Sato só não estapeou meu amigo porque as patas dela não eram tão longas. Lá se vão dois anos que esse fato se passou e ainda ouço discussões sobre a necessidade de jornalista ter diploma para exercer a profissão.  

     No meio dessa pornografia toda, lamento a inocência de alguns jornalistas. Chamo de pornografia porque não pretendo agredir os ouvidos do leitor, pois a não obrigatoriedade do diploma jornalístico é de interesse de donos de jornais, de revistas, de rádios, de televisão e de qualquer outro veículo de comunicação a serviço dos senhores feudais que dominam esse baixo meretrício chamado Brasil. Daqui a pouco volto à inocência de alguns jornalistas. Só para lembrar, o STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou a obrigatoriedade do diploma no dia 17 de junho de 2009. O diploma foi para a segundona depois de goleado por oito votos a um. Os gols dos patrões da comunicação foram marcados pelos ministros Gilmar Mendes – titular absoluto do time dos caciques brasileiros -, Cármem Lúcia Antunes Rocha, Ellen Gracie, Ricardo Lewandowski, Eros Graus, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso e Celso de Melo. O raquítico gol dos jornalistas foi assinalado pelo ministro Marco Aurélio. A obrigatoriedade do diploma, que perdurava desde 1969, foi destronada em poucos minutos para a satisfação dos seguidores de Assis Chateaubriand. STF, 69 e donos da mídia – é ou não é sacanagem pura?

     Ora, ora, simpatia, você acredita que o STF desancaria o diploma se não fosse para atender o patronato?  Vale rememorar que os senhores becados acolheram o recurso ajuizado pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (Sertesp) e pelo Ministério Público Federal. De nada adiantou a Federação Nacional dos Jornalistas espernear.  Em vão o advogado da Fenaj, João Fontes, argumentou que “a exigência do diploma não impede ninguém de escrever em jornal; não é exigido diploma para escrever em jornal, mas para exercer em período integral a profissão de jornalistas”. Parece que o diploma fora derrotado antes mesmo de começada a partida. O camarada que acredita na lisura do placar, e que ganhou quem merecia, não tem na cabeça fósforo para acender uma vela do tamanho de um alfinete.

     “Então você acha que é um diploma quem faz um jornalista, Gilead”, um incauto pode estar me perguntado. Não, respondo. Assim como não é um diploma quem faz um advogado, um engenheiro civil ou um médico. Mas que, no mínimo serve de filtro, ah, isso serve. Em um país movido mais a imagem que a livros, a faculdade serve de guia para o aprofundamento de leituras, de debates e de métodos apropriados para o desempenho da profissão. Agora, se as faculdades não estão desempenhando bem suas funções é outra história. Ou o STF resolveu dissolver a Câmara e o Senado por estarem desviados de seus verdadeiros objetivos? Ou o mesmo STF decidiu acabar com as polícias civil e militar por terem estas permitido a entrada de delinquentes em seus quadros? Eliminar a obrigatoriedade de diploma universitário é, no mínimo, uma ode contra a educação. “Mas tem um monte de jornalistas formados que não sabem PN (praticamente nada)”, dirá um apóstolo do analfabetismo. Pois então, imagine o nível de quem nem sequer frequentou uma faculdade. O diploma, paisano, é uma porta de entrada, não de saída. E, lógico, o direito a ele deve ser facultado a todo aquele que deseja seguir pela senda da reportagem.

     Voltemos à inocência dos jornalistas. Meus amigos, a luta da Fenaj é, sim, uma luta classista. E é assim que as coisas funcionam na democracia. Para isso os sindicatos são criados, para defender o direito de seus associados. Os patrões sabem que uma categoria unida, com um diploma universitário na bagagem e bem representada é um entrave a mais para a patifaria que cerca os grupos midiáticos. Sem contar com o salário mais alto que um formado terá direito. Do jeito que está, o veículo oferece salários baixíssimos, manipula descaradamente os chamados jornalistas e ainda posa de porta-voz da informação. E o mesmo jornalista, coitado, que apregoa ser contra o diploma é quem reclama dos salários miseráveis da categoria, da jornada cansativa e da falta de liberdade ao escrever. Inocência, inocência, como te gostam alguns colegas meus.

3 comentários:

  1. Belo texto Gilead, belo texto!

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  2. Concordo, texto maravilhoso, bem articulado, carregado de fino humor. Celso Martins

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  3. Lilo,
    Me parece que a atividade jornalística está saturada.

    Com tantos blogs, sites, redes sociais, net, publicações diversas, TV etc ...é muito material informativo para ler ou pesquisar.
    Daí a banalização do jornalismo,... será?

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