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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Vai um pedaço de pizza?


        - Ô, irmão, cuida com essa moto, hem. Vai devagar.

     Esse cuidado com um desconhecido me deixou pensativo. Porque foi sincero. E a sinceridade, meu chapa, é uma roupa discreta. Não é carregada de purpurina, como o é a da sua irmã gêmea - a falsidade. Só quem convive, ou conviveu, com as duas é capaz de diferenciá-las. Ronaldo tinha uma espécie de limo no pescoço. A barba e o bigode ralos não viam uma gilete há pelo menos uma semana. O jeans e a camiseta, numa olhada rápida, pareciam acompanhá-lo nas últimas 72 horas. Só mesmo a chuva para fazer com que eu me aproximasse de um morador de rua como ele. 

     A chuvinha fina, daquela feita para molhar bobo, empurrou-me junto com a moto para o primeiro abrigo que vi. Foi quando ele me cumprimentou. Bem articulado, lamentou a chegada das imprevistas águas e o incômodo que causara a nós dois. Com o preconceito que é passado de geração a geração, pensei: “lá vem ele me pedir dinheiro”. Estávamos próximos a uma casa de massas – que eu não direi o nome porque não sou pago para isso – e vi que de lá saía um colega do Ronaldo. As características não deixavam espaço para dúvida, era morador de rua também.  Com um sorriso furado, inteiramente alheio a crise econômica da Europa, trazia uma caixa cheia de fatias de pizza. Estendendo o braço direito na direção do sem-casa, ofereceu numa mistura de idiomas:
       - Pega aqui, brother.
       - Valeu, irmão – e Ronaldo pegou dois pedaços.
       - Pega mais, brother – insistiu – porque tô indo embora.

     Ronaldo devorou os dois que tinha nas mãos fervilhantes de bactérias e atacou outros três. O da pizza esticou a caixa na minha direção.
- Vai um pedaço, brother?”.
- Não, não, obrigado 

     Mais uma amostra de dentes e despediu-se. A chuva acompanhada de cinzas do vulcão chileno continuava e Ronaldo contou um pouco acerca da vida na rua. Da vinda do Mato Grosso para Floripa, da mãe.
- Ela trabalha no tribunal, irmão; ganha bem. Mas é materialista.

     Monossilábico, eu levantava a bola para ele cortar.
- Eu não acredito em Jesus – afirmou. Pensou um pouco, coisa de 3 segundos e corrigiu:
- Até acredito; mas se ele vai voltar, por que não voltou ainda? A coisa tá feia, irmão. Ele tá esperando o que?

     Após uns dez minutos a chuva ameniza. Quando acelero a moto ele faz uma cara de quem está sinceramente preocupado com minha vida e alerta:
       - Ô, irmão, cuida com essa moto, hem. Vai devagar.


É, bendita chuva.

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