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terça-feira, 27 de abril de 2010

Eram os deuses crianças?

          Quando criança eu morei em um sítio. E não era um sítio qualquer. Era um sítio em meio a mata atlântica. E tinha um rio. O Rio de Ponte Velha. Também tinha ponte, mas não era velha. Tinha velha, mas não era a ponte. E sob meu olhar infantil o rio era um mar. Forte correnteza. Peixes enormes – o maior deles não pesava um quilo. Entretanto quando se é criança tudo é um exagero de grande. Não posso esquecer-me dos cavalos. Eram mais do que velozes. Só pessoas corajosíssimas ousavam montar naqueles quadrúpedes. Tinha, cada um, uns cinco metros de altura. Não havia, paisano, Ferrari capaz de sobrepujá-los em velocidade e potência. Tinha vacas violentíssimas. Certa vez uma derrubou o balde de leite que acabara de ser tirado de suas tetas. Coisa descomunal. Meus olhos pueris não perdiam um detalhe sequer das belezas do lugar. Tinha patos, galinhas, porcos, cabras e macumba. Macumba?



          Só a título de esclarecimento, a macumba não era obra dos Maurícios. Mas estava lá. E era aguardada ansiosamente por mim. Não, nunca fui macumbeiro. Nunca fui a terreiro algum. A única manifestação religiosa desse quilate que presenciei foi na Praia da Daniela, aqui em Floripa. Faz coisa de um ano. Fui levado pela curiosidade e assisti uma encenação na beira da praia. Confesso que fiquei frustrado com a performance dos religiosos. Os percussionistas não tinham a menor intimidade com os instrumentos. Entre um gole de cachaça e uma baforada no cachimbo, alguns crentes se contorciam. Comida boa, nada. O que tem comida a ver com a macumba?, você deve estar me perguntando. Voltemos ao sítio onde morei.

          Em determinadas épocas do ano os macumbeiros faziam oferendas e as colocavam no rio. Quando era de manhã, nós, eu e meus irmãos, íamos até uma pequena ponte feita com troncos de coqueiros e recebíamos as oblações. Vale ressaltar que precisávamos chegar primeiro do que meu pai - ele pegava uma vara e  empurrava tudo para o fundo do rio. Uma vez encontramos um barquinho de madeira. Era uma mistura de carro-forte com ortifruti. Destruímos o barquinho, para meu pai não saber de nada. Mas as frutas nós comemos. E o dinheiro!? Ora, bolas, gastamos. Éramos deuses inconscientes.

2 comentários:

  1. Que bonitinho...rs
    Você já pensou em escrever literatura infantil?

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  2. Olha, nunca pensei. Prometo que levarei em conta sua observação (rsrsrs).

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