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quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Aldeia Guaraní, outra forma de se educar


          Karaí Popygua é estudante de pedagogia da UNIVALI no período da noite. Durante o dia ele é professor na comunidade indígena onde mora, a aldeia Yynn Moroti Wherá – que significa Reflexo da Água Cristalina – localizada às margens da BR-101,  no município de Biguaçu. Distante 20 kilômetros de Florianópolis a aldeia Guarani procura manter as tradições orais herdadas dos antepassados. Popygua descreve, entusiasmado, a base da religião de sua tribo e detalha os princípios religiosos que, segundo ele, é essencial para a educação dos Guaranis. O centro das atenções da comunidade indígena é a Casa de Reza, uma construção de aproximadamente 60 m² feita de barro e coberta de palhas, com apenas uma portinhola e sem janelas. Quando a porta é fechada uns parcos raios de luz entram no salão pelas brechas na parede da construção.



A casa de rezas



          A escuridão que permeia o recinto sagrado é quebrada, nas noites de rituais, pelos pavios fumegantes dos lampiões. O chão batido, poeirento, apresenta ao centro uma escultura horizontal em barro, como se fizesse parte, brotasse do próprio chão. São os cabelos da Mãe Terra, ornamentado pelo Pajé com símbolos semelhantes aos encontrados no sítio arqueológico do Costão do Santinho. Os símbolos indecifráveis até mesmo para alguns guaranis da tribo reforçam o misticismo do ambiente. Uma haste de madeira divide os cabelos da Mãe Terra ao meio. Nas noites de culto, a haste separa homens e mulheres. No espaço onde seria o cérebro da Mãe Terra uma fogueira é acesa.


          No canto oposto à porta encontra-se uma espécie de altar onde, à primeira vista, o que mais chama a atenção é a escultura de uma águia, posta na parte mais alta, é como se fosse a guardiã da Casa de Reza e que logo de cara intimida o visitante por sua expressão. Ela representa a visão e por isso ocupa o ponto mais alto. Mas olhando com cuidado pode-se distinguir instrumentos musicais, adereços e cachimbos. Nota-se também garrafas vazias e colchões velhos, o que parece um altar, na realidade é um simples depósito. Tão bonito e organizado leva o visitante a pensar que é um altar. Não, na casa de reza não tem altar, o recinto em si é um altar. Nesse momento, Karaí Popygua, o índio que mostra o santuário, pega um cachimbo em forma de beija-flor e revela: “A sabedoria Guarani está no cachimbo”.


          O local é simples, mas o ensino e a doutrina são sofisticados. É impossível, para os guaranis, dissociar religião e educação – para eles, o espiritual e o intelectual são eixos essenciais para o desenvolvimento do ser, e a Casa de Rezas é o lugar de onde emana a sabedoria.



A escola





          A escola Wherá Tupã Poty Djá foi criada em 1998 e mantém turmas da primeira à oitava série. O nome foi dado em homenagem ao pajé, Wherá Tupã, e sua esposa, Poty Dja. Ela oferece educação diferenciada, com ênfase à revitalização do conhecimento e sabedoria Guarani e o registro de ações pedagógicas tendo como metodologia a pesquisa e conhecimentos tradicionais. Para que isso aconteça os membros mais velhos da comunidade participam de algumas aulas práticas na escola. Uma pequena fogueira é acesa no pátio e o aparelho de som toca músicas na língua Guarani. A fumaça da fogueira se mistura com a dos cachimbos e cigarros acesos pelos índios. “Fumar, para nós, tem um sentido religioso”, explica Djatchuka Ryapu – filha do pajé.




          Um índio de um metro e meio, aproximadamente, e aparentando setenta anos está manuseando um rústico tear. Ao lado da esposa ele conversa baixinho, característica dos Guaranis, e detalha para os alunos cada movimento que faz com as mãos. O velho está usando fibra de bananeira para fazer roupas típicas. O nome dele é Wherá Tupã, o Pajé da tribo, e tem, na verdade 98 anos. Enquanto isso um olho tecnológico está atento a tudo. É uma filmadora de última geração que registra o que pode ser as ultimas aulas do casal. O cinegrafista é o adolescente Karaí Nhabovate Yvy Djei, de apenas 14 anos. Em poucos minutos ele descarregará as imagens em um dos computadores da escola e fará a edição do vídeo.



          Até a terceira série todo aprendizado é na língua Guarani. A partir da quarta começam a aprender o português e as aulas passam a ser nos dois idiomas. As salas de aulas são arrumadas pelos próprios alunos e não seguem um padrão de organização. Varia de turma para turma e, muitas vezes, de um dia para o outro eles mudam a formação das cadeiras. As crianças costumam ir à escola acompanhadas pelos irmãos mais novos, que muitas vezes não estão em idade escolar. Na escola Guarani, todos são bem vindos. Até os animais domésticos são aceitos em sala de aula. O professor é autoridade máxima e os alunos não discutem com ele. Só intervêm quando são solicitados. Isabel Eiko Kodama é professora na comunidade e se orgulha: “é muito bom ensinar aqui. Eles são muito educados e respeitadores. Se tiver alguém falando alto, pode ter certeza, não é um Guarani”.

   
A voz dissidente



          Henrique Tobal Júnior, 32, é professor do ensino médio. Dizendo-se perfeitamente ambientado na aldeia ele afirma que os estudos acadêmicos sobre os índios são românticos. “Aqui é como em qualquer outro lugar", esclarece. Tobal é uma voz dissidente entre os professores da escola Guarani. Ele acha que o processo pedagógico precisa de ajustes: "é uma educação diferenciada e está em construção. O ajuste é necessário". O professor, graduado em história,  analisa a metodologia da escola: “Os índios precisam ser preparados, ou para enfrenter o mercado de trabalho, fora da aldeia, ou  para desenvolver a comunidade deles. O processo pedagógico está se firmando. É muito legal, mas precisa funcionar melhor. E isso vai findar acontecendo. Ou o governo terá que perpetuar uma política assistencialista”, explica.


          Hyral Karai Kadju, 38, é o cacique dos Guaranis de Biguaçú. Cursando o quinto semestre de Direito, na UNIVALE, ele é o chefe político da comunidade. Hyral diz que o projeto da escola é formar profissionais que possam desenvolver atividades dentro da própria aldeia. “Estamos trabalhando em cima de projetos de auto-sustentação”, esclarece o cacique. Com um rosto emaciado, olhos fundos, uma barbicha limitada ao queixo e o cabelo preso num rabo-de-cavalo Hyral fala baixinho. “Essa escola é uma conquista nossa. Antes nós tínhamos que estudar com os não índios e havia muito preconceito contra nós. Agora fica mais fácil preservar nossa cultura, educar nossas crianças. Com o código de processo civil nas mãos o cacique parece ostentar um escudo contra quem ousar desafiar sua tribo. “Estou estudando para defender os direitos do nosso povo”, salienta.

   
A incerteza



          Escola e Casa de Reza se completam. O que falta em uma, tem na outra. Elas fazem parte da estrutura educacional da aldeia, no entanto, enquanto a escola funciona todos os dias úteis da semana, a Casa de Reza não obedece a uma composição pedagógico padrão. “Os rituais acontecem de acordo com a precisão do povo, não tem data marcada pra acontecer”, explica Wherá Tupã, o pajé. Eles têm início por volta das nove horas da noite e se estende até o amanhecer do dia seguinte. A escola não abre as portas nesse dia. O ritual funciona como uma espécie de atividade suplementar obrigatória. É difícil saber qual será o resultado de uma educação tão diferenciada. O impacto para as futuras gerações guaranis não pode ser medido, uma vez que a escola e sua pedagogia contam com apenas onze anos de existência. Uma coisa é certa: Para o povo Guarani de Biguaçu, preservar as tradições é sinônimo de se manter vivo.


Um comentário:

  1. Olá!Como faço para agendar uma visita.
    aguardo retorno. Leticia]]


    leticiabazzo@ibest.com.br

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