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quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Estacionar a moto no Centro de Floripa? Tás tolo!


          A noite de sono se encerra com o som de um celular despertando. São 6h30min. O homem de 45 anos acorda e, quase que automaticamente, procura a pia do banheiro para lavar o rosto. É preciso correr para o trabalho, não sem antes acordar o filho de 11 anos que mora com ele. Feito isso, uma caminhada de quinze minutos separa a casa 102 na Rua 25 de março, Costeira do Pirajubaé, onde mora, do local de trabalho de Edemilsom Lázaro Borges, 45 anos. O cruzamento entre as ruas Victor Meirelles e Saldanha Marinho, no centro, é o escritório desse paranaense de Curitiba que mora há vinte e oito anos em Florianópolis. Um café quente no quiosque ao lado e o corre-corre tem início.



"Sou bipolar; tomo remédio pra isso"


     
          A jornada de trabalho começa às sete horas e se prolonga por doze. Edemilsom (foto) é flanelinha no estacionamento para motos e entre uma parada e outra dos motoqueiros vai garantindo o pão de cada dia. “Eu faço em média, trinta a quarenta reais por dia”, informou a contra gosto. O vai e vem das motos é desenfreado. Com o aumento diário do número de motos circulando pelo centro capital, o problema com estacionamento se agiganta. Bom para pessoas como Edemilsom que encontrou na falta de segurança nesses estacionamentos uma forma de ganhar dinheiro. Apesar das constantes reclamações e queixas na delegacia, por parte de quem estaciona no Centro – e que às vezes resulta em prisão do flanelinha -, Edemilsom diz que a polícia é tolerante, principalmente quando o flanelinha é deficiente físico. O homem não para um segundo. É um “obrigado” aqui, um “deixa comigo” ali, e as pernas parecem de ferro. Quando perguntado sobre a deficiência que diz ter, ele não titubeia: “Tive deslocamento da coluna em três lugares. Não posso mais trabalhar, eu era chefe de cozinha, agora não posso levantar uma panela”. Ao perceber que a informação estava sendo registrada não se fez de rogado: “E também sou bipolar. Tomo remédio pra isso”.


Motoboys preferem não perder tempo denunciando pequenos roubos
 
          Estacionar a moto no centro da capital não é tarefa fácil, são poucos os estacionamentos públicos e quase sempre estão lotados. Quando os motoqueiros tentam colocar suas motos nos pequenos espaços que restam entre uma e outra, acabam provocando algum tipo de avaria, que vai desde um arranhão - que nem um proprietário gosta - até uma queda, que causa um prejuízo maior. Sem contar com os freqüentes roubos de peças ou de algum tipo de objeto colocado nos baús das motocicletas, que “não vale nem a pena ir fazer boletim de ocorrência”, resigna-se o motoboy Carlos Livramento, 33 anos, que chega a fazer, em média 16   paradas por dia no Centro.




          Segundo dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (FENABRAVE) uma moto é produzida no Brasil a cada três minutos, a frota não para de crescer em todo o país e Florianópolis não é exceção. Dados colhidos no DETRAN revelam que a frota no estado é 738.807 (abril de 2009). O Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF) não vem conseguindo solução para resolver o problema de quem precisa estacionar o econômico veículo no Centro da capital. Pelo contrário, na página da prefeitura na internet encontramos a seguinte informação: “O estacionamento de motos que funcionava na Avenida Hercílio Luz foi pulverizado”. De fato, um dos poucos estacionamentos do centro foi extinto e os motoqueiros precisam fazer ginástica para estacionar nos pequenos espaços que sobraram.



          A deficiência de estacionamento no Centro é driblada de várias formas. Ronaldo Loureiro( foto), 30 anos, gerente de uma empresa de motoboys, diz: “quando o motoboy não encontra vaga tem que dar o jeitinho brasileiro. Para num posto de gasolina, estaciona na vaga dos carros, para em local proibido ou espera até surgir uma vaga. A empresa até reembolsa o motoboy, quando é uma entrega que está muito atrasada e ele precisa pagar estacionamento para agilizar a entrega, mas é muito difícil”. Loureiro comanda 45 motoboys e diz que a tendência é que o centro vire um caos total. Irritado ele arremata: “O motoboy precisa ganhar dinheiro, não gastar com estacionamento”. Porém as soluções encontradas pelos motoqueiros muitas vezes resultam em prejuízo. Jeferson Serafim, 22 anos, motoboy, disse que já levou multa por estacionar em local proibido, mas tem momentos que precisa fazer uma entrega e o jeito é estacionar onde não deve. Ricardo da Silva, 25 anos, é motoboy há seis anos e garante: “Todo motoboy leva multa por estacionar em local proibido. Quem ainda não levou é porque começou a trabalhar hoje”.


Prefeitura demonstra descaso com o problema

          O medo de ter alguma peça da moto roubada, ou a própria moto, leva uma grande parte dos motociclistas a pagarem ao flanelinha de moto. Alguns se recusam, é o caso do médico cirurgião plástico Marco Antônio Vaz, 48 anos, Gaúcho de Porto Alegre, há oito anos em Florianópolis. Vaz disse que quando o estacionamento está lotado ele para na Zona Azul, destinada aos carros. “Pagar à flanelinha eu não pago. Detesto flanelinha, são pessoas que não querem trabalhar”, dispara o cirurgião. Um Cabo da Policia Militar que estava de plantão em um posto da PM, ao lado de um estacionamento guardado por flanelinha se defende: “O policial não vai ficar o dia inteiro cuidando de um estacionamento de motos”, em seguida defende o flanelinha: “É melhor pagar para o flanelinha, que já conhece o vagabundo, do que perder a moto”. Quando perguntado se ele faz vista grossa para os motoqueiros que param em local impróprio ele é incisivo: “Se eu pegar eu meto o ferro”. Enquanto dava entrevista um motoqueiro veio pela contramão e subiu a calçada para chegar ao estacionamento. O policial (que pediu para não ser identificado) reclama e ouve um pedido de desculpa, amolece o coração e perdoa o infrator.


    
          Num mundo capitalista todo problema pode se tornar uma forma de ganhar dinheiro. Foi o que percebeu Robson Antunes (foto), 27 anos, ele é proprietário do único estacionamento exclusivo para motocicletas do Centro. Segundo Antunes, 250 motos passam pelo estabelecimento por dia, e falta vaga, principalmente à tarde. O empresário diz que a clientela aumenta dia após dia e explica o motivo: “Temos inclusive sistema de câmeras. Não há roubos, aqui; é zero”. Oportunista apresenta a solução: “Para resolver o problema, só criando estacionamentos pagos.”


          No centro da capital somente um motoqueiro não se estressa: o policial militar. Ele para sua moto em  cima da calçada e, valendo-se do poder, deixa-a pelo tempo que lhe apraz. Ao ser questionado sobre o local inadequado o policial é lacônico: “Estou trabalhando”. Procuramos o IPUF para saber qual a solução da prefeitura para o problema da falta de estacionamento. Fomos orientados a falar com Carlos Eduardo Medeiros, diretor de operações do sistema viário. Pediram para voltarmos no dia seguinte. Voltamos no horário marcado, mas a secretária perguntou para qual veículo seria a entrevista. Quarenta minutos depois a secretária diz que Carlo Eduardo não dará entrevista, pois o Presidente do IPUF não permitiu. A polícia também não informa o número de motos roubadas em Florianópolis. Enquanto isso os motoqueiros seguem no dilema: pagar ou correr o risco. Numa linguagem bem manezinha: tás querendo estacionar a motoca no Centro? Tás tolo!





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