Em certo lugar cujo nome não vem ao caso, o dominador era odiado pela população. Todos, cem por cento dos habitantes, tinham-no como um déspota cruel que sugava todo o esforço dos seus súditos. Ningúem dirigia-lhe o menor elogio, sequer. A não ser, claro, os palacianos que se locupletavam com o mandonismo do rinoceronte. O soberano, entretanto, começou a ficar intrigado com uma viúva que pedia esmola na praça da cidade e que já beirava 100 invernos vividos por aquelas pairagens. Toda vez que passava por ela, escutava a mesma ladainha:
- Deus te dê muitos anos de vida. Deus te dê saúde para governar por décadas e décadas. Deus preserve teu reinado.
O ditador ouvia aquela litania e seu espírito se inquietava. Certa feita, ao perceber a presença da anciã, não conteve a curiosidade:
- Senhora, eu tenho plena consciência que todo o povo me odeia. Sei que sou um tirano. Sei que não estou nem aí para o sofrimento de quem quer que seja. Sei que só tenho olhos para mim mesmo e para o castelo. Mesmo assim, ouço suas preces para que o Criador alongue meu reinado. Por favor, seja sincera comigo e nada de mau lhe sobrevirá: o que está por trás de tuas preces? Desejas, de fato, que eu reine por muitos anos?
A idosa não titubeou:
- Olhe, senhor, teu avô foi rei aqui. Não valia nada. Era insensível ao povo. Nenhum dos antecessores dele foi metade do que ele foi em termos de ruindade. Certo dia ele morreu. Aí veio teu pai. E conseguiu ser pior do que teu avô. Muito pior, aliás. Por isso, meu filho, temo que, depois de tua morte, venha um ainda pior do que você.
Pois é.
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