- Ai, alguma coisa furou meu joelho.
- O que pode ter sido?
- Acho que foi um prego.
- Mas como, um prego? Aí não tem prego.
- Foi um prego, sim, inclusive está sangrando; pouco, mas está. Deixa eu me abaixar aqui pra ver o que foi. Realmente, tem vários pregos enferrujados sob o balcão de atendimento.
- Mas eu nunca vi! Então foram deixados durante a reforma.
- E quando foi a reforma?
- Em 2000.
- E durante todo esse tempo você não viu os pregos sob o balcão no qual trabalha?
- O que pode ter sido?
- Acho que foi um prego.
- Mas como, um prego? Aí não tem prego.
- Foi um prego, sim, inclusive está sangrando; pouco, mas está. Deixa eu me abaixar aqui pra ver o que foi. Realmente, tem vários pregos enferrujados sob o balcão de atendimento.
- Mas eu nunca vi! Então foram deixados durante a reforma.
- E quando foi a reforma?
- Em 2000.
- E durante todo esse tempo você não viu os pregos sob o balcão no qual trabalha?
Pois estão! O diálogo acima ocorreu em um cartório de Florianópolis. Eu fui a testemunha ocular do fato. Fui a vítima, também. E agora estou fazendo o registro. Não precisa ficar preocupado com minha saúde, leitor. A atendente providenciou material suficiente para que eu pudesse fazer a assepsia devida. Mas que doeu, doeu. Não, não foi uma dor lancinante, como a que sentiram os torcedores do botafogo no último domingo, quando viram o time do coração levar um sapeca-iaiá do Vasco da Gama. Não foi pra tanto. Também não foi igual a que sentiram os motoristas de carro a álcool, que viram o preço do combustível subir até 50% em Floripa; isso apenas nos últimos seis meses. Porem...
Porem doeu. Não foi como a dor que atingiu o peito dos contribuintes florianopolitanos no final de 2009, que pagaram, e muito, por uma árvore de natal que nem sequer conseguiu se manter acesa. Certamente não foi como a que atingiu os turistas que vieram curtir as 42 praias catarinenses nesse início de ano, e que tiveram que se contentar com a sagrada chuva. Sagrada e consagrada; a musa do verão catarinense é, definitivamente, a chuva. Não, a dor que eu senti não chegou a tanto. Acho que tava mais pra uma picada de mosquito. Isso mesmo, uma ferroada de um maribondo sem vergonha. Contanto...
Contanto coisa nenhuma. Foi até engraçado. Não no início, claro. Porem, quando a atendente do cartório me disse que os pregos foram deixados pelo pessoal da reforma, há nove anos... E quando informou que até então não havia percebido os furadores no local... Senhoras e senhores, eu não vou dizer o nome do cartório; mas dar-lhes-ei uma dica: fica em frente à Praça XV, a Praça da figueira. Foi assim: cheguei ao cartório, com minha mulher, e o atendimento foi imediato. Nem precisamos esperar; ponto para o cartório. O diálogo com a atendente foi dificultado devido ao barulho, altíssimo, da televisão; ponto para Ana Maria Braga; ponto para a Globo. Enquanto éramos atendidos, aconteceu.
Como diria o saudoso comediante: “meninos, eu vi”. Na verdade eu senti. Um prego, esquecido pelos operários da reforma, furou meu joelho. A moça disse que não podia ter sido um prego. Abaixei-me e constatei: não havia um, eram vários pregos sob o balcão de atendimento do cartório. A profissional insistiu que não sabia dos pregos. Uma outra, que estava acompanhando a cena, aproveitou a saída da amiga e delatou: “várias pessoas já se furaram, aqui”; ponto para os pregos. Como era início de ano, e a calma reinava no meu coração, e a paciência ainda não me largara, decidi levar na esportiva. Disse que voltaria ao cartório, dia desses, com um martelo. Realizaria um mutirão para rebater todos os intrusos pregos que insistissem em furar os joelhos dos clientes; ponto para mim.
A atendente riu, o sorriso de quem sente que é vítima de um deboche, e disparou: “não precisa, amanhã eu mesma trarei um martelo e farei o serviço. Da próxima vez que o sr. Vier, não terá mais prego; pode deixar”. Se você, leitor, mora em Florianópolis e precisar ir ao tal cartório, cuide onde vai encostar o seu joelhinho. Ou então vá municiado de um martelo. Antes de sentar, abaixe-se, e verifique as condições do balcão. Se alguém achar estranho sua pose, em baixo da mesa de atendimento, fale da dor dos botafoguenses, da dor dos contribuintes da capital catarinense, da dor dos motoristas de carro a álcool e da dor dos turistas encharcados pela água da chuva.Será, eu disse será, ponto para você. Se tiveres sorte, os preguinhos já não estarão mais por lá. Afinal, foi um descuido de apenas, até aqui, nove anos.
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