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sexta-feira, 1 de julho de 2011

Queijo brie e ovo frito

- Bem feito, Gilead, bem feito – pensei.

- Quem manda não perguntar qual é o cardápio? – continuei me pisoteando.

     E vamos combinar: tem horas em que a gente tem vontade de socar o próprio queixo, estapear a própria cara de tolo. Ora, você. Imagine que, além de tudo, fui quase que obrigado a mentir. Digo quase porque a mentira só é obrigada quando é feita sob tortura ou para atender a interesses políticos. Sim, paisano, um político nobre precisa mentir de vez em quando. Não que ele seja um mentiroso inveterado, mas é tudo para defender o interesse dos eleitores. E dos não-eleitores também, afinal, ser político é antes de tudo um sacerdócio. Não fui obrigado a mentir, como um deputado numa CPI, mas o cuidado em não melindrar o cheff falou mais alto. O dono do lugar, também amigo meu, não ficaria lá muito contente se eu dissesse que arroz feito paçoca para mim não passa de uma gororoba. Isso mesmo, gororoba. Tomara que meu amigo não leia esta crônica, e muito menos o mestre da cozinha que fez o risoto de queijo brie (lê-se brí) com presunto não sei de quê.

     A verdade é que o Gile aqui estava virado em vinte e cinco metros de fome. O friozinho de 13 graus, somado a umidade da Lagoa da Conceição, provocava uma sensação de oito. Já passava das 22h. Enquanto os convivas riam e conversavam amenidades, encontrei uma estante e fui fuçando para descobrir um livro que me interessasse. Folheava as páginas de O Livro das Religiões quando Donizete – chamemos assim o anfitrião – avisou: “Gile, o jantar está servido”. Quase larguei a obra no chão. Não fiz como a corte portuguesa que debandou para o Brasil em 1807 e abandonou os livros no cais do porto. Quando vi todos se servindo achei que teria um troço. “Tanto tempo esperando, meu Deus do céu, e agora terei que comer paçoca de arroz?”, lamentei tão baixinho que só eu mesmo ouvi. Arroz, para o nordestino aqui, tem que ser soltinho. De preferência com carne assada. O arroz mole, unido pela viscosidade – mesmo que seja do tal queijo brie -, já me dá calafrios. O cheiro de chulé – isso mesmo, a comida chique parecia ter saído de dentro de um tênis usado por um indivíduo nada asseado – deixou meu nariz em greve. E o olfato, meu amigo, é o parceiro número um do paladar. A fome, no entanto, e o receio de prejudicar o jantar dos demais, empurraram minha mão e colocaram uma colherada da iguaria no meu prato.
- Só isso, Gile? Não vai comer mais nada? – perguntou um dos presentes desconhecedor da minha saia justa.

- É que não estou com muita fome. Além do mais, não costumo comer muito depois das dez da noite – dei uma de candidato a vereador.

     E como diz o ditado: “o que é um %^$#* pra quem tá todo &^%$^$?”. Antes que me enchessem de pergunta e insistissem para comer mais, levantei a voz: como é mesmo o nome desse prato? Em seguida murmurei só para o Gile ouvir: grave esse nome e nunca mais se deixe enganar. Ora, ora, simpatia, quem já viu um camarada lá do Rio Grande do Norte se meter a besta e querer comer esquisitices da cozinha francesa? Arrumei uma desculpa – ou mais uma mentira – e fui o primeiro a pegar o caminho de volta. Passava da meia noite quando comecei a jantar. Te dana, queijo brie, prefiro um ovo frito.

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