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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Cara, tô caindo fora

          "Atores Murilo Benício e Cláudia Raia são vistos juntinhos". Li, por acaso, essa notícia em um jornal do nosso Brasil varonil. Estou chocado. Murilo, Raia, juntos, juntinhos... não acredito! Gente do céu, como é que eu vou almoçar hoje, sabendo de uma bomba dessas? Fiquei pensando até em anular meu voto para presidente. E acho até que as eleições deveriam ser adiadas, até que o caso do casal – permita-me o trocadilho besta – seja resolvido. Sim, porque não se trata de um par qualquer. É uma dupla global. Qual é a família brasileira, culto como são nossos familiares, que não chora e dá risadas ao ver Benício e Raia atuando? Este ignorante aqui estava pensando em sugerir que a gloriosa Polícia Federal investigasse o romance. Pensou bem e resolveu enviar um email para a CIA, para a Interpol e até para Osama Bin Laden. Nessas horas temos que nos agarrar a tudo e a todos. Até no Ibope sou capaz de acreditar, se ele constatar que o relacionamento é comprovado pela maioria dos brasileiros.

          Fico estupefato com os presidenciáveis. Indignado com futuros deputados, senadores e governadores. Não vi um, sequer, prometer desvendar o mistério que cerca a vida particular de Benício e Raia. E olha que os candidatos prometeram um monte de barbaridade. Coisas que eles sabem que não vão fazer. Prometeram acabar com o desemprego, dar educação aos iletrados e saúde aos doentes. Mentiras deslavadas que qualquer viajante na boleia do destino sabe que não passa de papo de candidato. O que a massa quer saber, e os futuros mamadores não responderam, é como ficará o enlace entre os artistas citados nesta crônica. Por isso peço o adiamento do pleito. Precisamos, pelo menos eu e meu cachorro, de respostas a questões sérias. E a vida amorosa de dois cidadãos precisa ser levada aos palanques. Teve candidato que incorreu na desfaçatez de dizer que vai resolver o problema da corrupção. Ora, ora, falastrão, quando Cabral – o Pedro, não o político carioca – desembarcou na Bahia, a decomposição de nossa futura pátria começou. O tal candidato, se bem que mais de um cometeu o mesmo equívoco, preferiu prometer o irrealizável à enfrentar o anseio do povo. O povo quer saber se o Benício vai encarar ou vai fugir da Raia.

          Hoje eu li, logo cedo, que os bancários entraram em greve. Ora, meu Deus do céu, que insensibilidade desses caras. Fazer greve enquanto a população sofre angustiada sem saber o que será do casal de novelistas. Como cantou o poeta pernambucano Maciel Melo: quebrei no dente o taco da literatura. Quebre comigo, paisano, esse papo de ideologia. Quebre comigo essa história de lutar pelos seus direitos. Quebre comigo esse chove não molha de votar para mudar. Quebre comigo esse país que insistem em dizer que é nosso. Quebre comigo a luta de classe. Quebre comigo a preocupação com futuras gerações. Leia as notícias sobre atores de novelas. Leiam e fiquem por dentro das particularidades de Raias e Benícios. Viva a vida dos outros. Viva o namoro alheio. Cara, tô caindo fora.



terça-feira, 28 de setembro de 2010

Família é chacinada - Bruno estava entre os mortos

          Bruno está morto. E foi assassinado covardemente. Não teve direito, pobre coitado, à defesa contra matadores tão cruéis. Até poderia tentar se defender – e tenho certeza que o fez – mas seria, como foi, inútil. Um marginal, um delinqüente, um serial killer, não poderia ser contido por alguém como Bruno. Sendo mais de um hassassin, alem do mais, foi uma carnificina facilmente executável. Hassassin, ou consumidores de haxixe, era o nome dado aos membros de uma tribo persa que, à época das cruzadas, embriagavam-se com cânhamo antes de atacar e matar cristãos. Os executores de Bruno, tenho certeza, paisano, descendem daqueles incircuncisos. Bruno, por outro lado, era um baluarte da ordem, da moral e dos bons costumes.

          Bruno era um sujeito, posso chamá-lo assim, dentro da lei. A violência nunca foi, vale ressaltar, recurso por ele utilizado. Morava com suas duas mulheres, uma concubina e dois filhos. A mulher mais amada - e tem sempre uma mais amada, mais querida e mais admirável – era Tereza. Eu, que a conheci, sei que era a doçura personificada. A concubina chamava-se Letônia. Fragilíssima, coitada. Talvez por isso nunca parira. Os filhos de Bruno eram Mossab e Gumercindo. Crianças ainda, tiveram as vidas ceifadas pela horda de cruéis bandoleiros. Bruno era pai, marido e amigo. Amigo. Daqueles que a gente guarda, como cantou o poeta, do lado esquerdo do peito, dentro do coração. Eu, mais do que qualquer outro vivente, posso testemunhar a postura do morto. Nos fins de semana que eu visitava o sítio dele, ele era o primeiro a dar-me as boas vindas. Quando eu acordava, olhava através do vidro da janela e avistava-o olhando na direção da casa. Do alto do morro, onde ficava sua manjedoura, Bruno fiscalizava todo e qualquer movimento na chácara.

          Bastava um abrir de janela, uma música tocar ou um caminhar nosso. Era o sinal de que alguém havia acordado. Bruno descia o morro demonstrando claramente que já não agüentava mais tanta saudade. Se por algum motivo ele não notava que acordara, bastava eu chamar: Bruno, ô Brunão... Ele respondia imediatamente: béeeeee. E corria morro a baixo. A Tereza sempre o acompanhava. O casal não dispensava uma casca de laranja. Bruno tinha o que eu costumava chamar de complexo de cachorro. O bicho se comportava como se fosse um cão, nunca feito carneiro. Costumava me acompanhar por onde eu fosse. Quando se dispersava, bastava um chamado meu e ele vinha. Adorava encostar a cabeça na minha perna. Eu já sabia, queria carinho. Uma escovada no pescoço era suficiente. Bruno não era um animal de criação, era animal de estimação. Ele preferia a nossa companhia à da família. No domingo à tarde, quando ele percebia que iríamos embora, ficava atravessando em nossa frente. Queria impedir que entrássemos no carro. Vezes sem conta, botou a cabeça dentro do veículo. Parecia tentar impedir que fechássemos a porta. Ao perceber que perdera a disputa, corria para a frente da casa, que fica em um platô acima da estrada, e acompanhava nossa partida.

Bruno, sim, era o cara.

          Não pude me despedir do meu amigo. Estava viajando, quando recebi uma ligação informando que animais desconhecidos haviam entrado no sítio e matado Bruno e família. Dentes ferozes abriram Bruno ao meio. O pescoço foi rasgado, provavelmente o alvo do ataque. A lã ficou intacta. Os endemoninhados foram no ponto mais vulnerável do carneiro – a barriga sem lã. A espessa lã que o cobria dificultaria as mordidas do inimigo. Astutos, os assassinos mutilaram-no pela barriga. Claudinei, o responsável por enterrar a família chacinada, disse que nunca viu nada igual. “Eu acho que foi o leão baio; cachorro não faria isso”, concluiu.

         No último fim de semana fui ao sítio. Foi duro olhar o lugar onde Bruno foi enterrado. Do alto da varanda do quarto eu observava o lugar do seu martírio. Como sofreu meu amigo. Olho os pássaros voando e tento esquecer a tragédia. Quando passo a vista pelo terreno na beira do rio, a terra revirada indica que o corpo de Bruno está sob aquele terreno mexido. Tento não pensar. Mais tarde, quando vou chupar uma laranja, a saudade me assalta. Reprimo as lágrimas. Adeus Brunão.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

João está certo

No início da tarde fui visitar um advogado criminalista conhecido aqui, em Florianópolis. Não vou dizer o nome dele. O que era para ser uma entrevista se tornou em bate papo. Eu pouco falei. A palavra estava com “João”, vamos chamá-lo assim. E ele estava desanimado. Ex professor de direito penal, ex professor de criminologia da academia de polícia e ex membro da OAB/SC. Ex porque quer. “Fiquei de saco cheio e pulei fora”, contou-me. Às vésperas de uma eleição ele desabafou: “Não sei em quem votar”. Depois acrescentou: “Você me desculpe, mas estou desabafando”. E prosseguiu: “Uma juventude que só quer saber de drogas, políticos que só pensam em roubar e uma elite que só sabe consumir... estou decepcionado com tudo”.

Saí do escritório pensativo. Um homem de sessenta e poucos anos, que parece só ter olhos para defeitos – resmunguei aos meus botões. Para ele as coisas não têm mais jeito. Quando caminhava pelo Centro da cidade, passei diante de uma igreja. Notei um carro parando ao meu lado. Desceu um homem de terno e gravata impecáveis. Uma zero zero sete de dá inveja a qualquer executivo de Manhattan. Era um líder religioso. É, João tem razão, o mundo ta perdido – concluí.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A morte do imaginário

          Tinha sempre alguém incumbido da tarefa. A gurizada sentava e apurava o ouvido para não perder um detalhe, sequer. Por gurizada entenda-se eu, meus irmãos e alguns primos que não apreciavam a monótona vida da cidade e faziam do nosso sítio uma extensão de suas casas. A luz da lamparina dava às histórias de assombração um aspecto muito mais assustador. Em se tratando de romance, a mesma iluminação assumia ares de doces acordes. Gostávamos de ficar na mesa da cozinha. Tinha uma janela voltada para o rio de Ponte Velha. Quando o falecido Merval contava causos de suspense, meu Deus, quantas figuras macabras desfilavam janela abaixo, na direção do fluxo de água. Nossa casinha simples ficava em um platô que se elevava acima do rio; uns cem metros. Em noites mais quentes, a abertura na parede era cobiçada, mesmo com os riscos que corríamos de sermos tragados por monstros ferozes que eram infiltrados em nossas cabecinhas. Seres quasímodos que habitavam nosso imaginário vindo da boca de hábeis contadores de histórias. E friso história com um H. Um H graúdo, que só criaturinhas inocentes são capazes de entender.


          Como era difícil dormir sem antes ter ouvido um conto, uma história ou um caso qualquer. E quando não tinha um narrador oficial, minha irmã mais velha assumia os ares de dramaturga. Por “increça que parível”, as exposições ficavam bem mais interessantes, embora menos críveis. Interessante porque passavam a ser interativas. Sendo minha irmã uma das nossas, nos víamos no direito de interferir no desenrolar de ideias. Era um tal de “fulana não pode morrer”, uma sugestão do tipo “o fim não foi bom, dá uma alongadinha mais, vai”. Eram meus primeiros contatos com a chamada participação do ouvinte, que a mídia só descobriu na última década. O lado negativo era saber que, se nós podíamos dar “pitaco”, o causo era, de fato, uma invencionice. De sorte que gostávamos de mesclar o “real”, muitas das vezes inventado por minha mãe, com o “falso e interativo”, expostos por minha irmã.


          O fato é que tínhamos histórias para ninar-nos. Os tempos mudaram. E hoje, quando uma criança de dez anos vai dormir, apura os olhinhos na frente do computador. Site de fulano, blog de beltrano e twitter de sicrano. Ah, imaginário infantil, onde morrestes? Estou lembrando do verso do poeta que diz:

"Me disseram que sonhar
Era ingênuo, e daí?
Nossa geração não quer sonhar
Pois que sonhe a que há de vir
Eu preciso é te provar
Que ainda sou o mesmo menino
Que não dorme a planejar travessuras
E fez do som da tua risada um hino".
Oswaldo Montenegro

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Quinze dias em outro blog

Atenção, meu povo. Desculpe-me, mas durante duas semanas, que começou na última segunda, farei postagens diárias no seguinte endereço:

http://herdeirosdocontestado.blogspot.com/

Boa viagem, boa leitura.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O candidato e o matuto

          Em época de eleições vale a pena lembrar certos “causos”. E este é dos bons. Um caipira estava com o filho em uma canoa. Estavam pescando cambimba, como diria dona Margarida, minha mãe. Segundo ela, cambimba é peixe pequeno. Miuçalha. O menino, com seus nove anos, era pura curiosidade. Como são quase todas as crianças dessa idade. E essa estória é do tempo em que os pais eram os consultores dos filhos. Digo isso porque hoje em dia tem senhores e senhoras que aos sete anos costumam se aconselhar na internet. Coisas da modernidade, Gilead, diria o Sheid, meu cachorro. E tem pai e mãe que acham suas crias verdadeiros Einstein. “Meu filho é muito esperto. Sabe tudo de internet. Não preciso me preocupar com ele. Não me dá o menor trabalho. Passa o fim de semana no computador”, disse-me uma mãe, certa vez, toda orgulhosa. O triste é que se você, caro leitor, pede para o pirralho fazer uma pesquisa na rede ele não sabe como proceder. Deixemos esses futuros candidatos a cargo público de lado. Voltemos para a lagoa onde pai e filho, do tempo em que Legião Urbana era rural, pescam sua refeição.

          Em determinado momento o pequeno olhou para o pai e perguntou:
- Ô pai...
- Fala, fio.
- O pai sabe por que a canoa frutua?

 
          O pai coça a cabeça, a barbicha e o bigode – um de cada vez, diga-se de passagem. Depois de uns muxoxos constata:
- O pai num sabe, fio.

          O menino espera alguns minutos e vem com outra:
- Ô pai...
- Fala, fio.
- O pai sabe por que os peixe num morre afogado?

          O capiau se vê em outro aperto. Novo coçar de cabeça, barbicha e bigode. Novas caretas. E uma resposta mais pensada:
- Ah, fio... É pruque... É pruque... O pai também num sabe, fio.

          Mal dá tempo para o velho pai tomar fôlego e o projeto de gente emenda:
- E o pai sabe pruque o sol num cai na cabeça da gente?

          Essa última desconcertou de vez o genitor. Depois de repetir o gestual, admitiu:
- Ah, fio. É pruque... Também num sei, fio.

          O pimpolho fica pensativo enquanto dá banho na minhoca. O pai, por outro lado, torce para não ouvir nova pergunta esquisita. O filho percebe a saia justa do pai e tenta contornar a situação:
- O pai ta chateado?
- Chateado com que, fio?
- Porque eu to fazendo pregunta, pai?
- Não, fio. Pregunte. Porque é preguntando que se aprende.

          Senhoras e senhores. Sei que é dever de todo cidadão exercer seu direito de votar. Sei que isso faz parte da consolidação da democracia. Mas quando olho os candidatos, quando vejo as respostas que eles dão às respostas mais elementares que lhes fazem...

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Expedição Contestado

          Olá, você que dá umas espiadas no reporteando. Na próxima semana farei uma expedição de 15 dias pelo meio-oeste de Santa Catarina. E realizarei a façanha em uma motocicleta. Se terei companhia? Claro, do criador de todas as coisas. A ideia é fotografar a região onde ocorreu a chamada Guerra do Contestado. Por esse motivo criei um blog onde você poderá acompanhar o passo-a-passo da aventura. O blog também servirá de fonte de pesquisa para quem tiver interesse em estudar o assunto. Conto com tua companhia durante a expedição. No lado direito do reporteando você encontrará o link para o Herdeiros do Contestado. Clique e acesse, acesse djá.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Gato gordo quer as coisas como estão

          Era uma vez uma grande casa. E nessa casa moravam muitos, mas muitos, ratos. Os roedores faziam festas todo dia. Poderíamos chamar o local de “paraíso dos ratos”. Como diria um apresentador de programa televisivo: “Uma coisa de louco”. Até que um belo dia o dono da casa trouxe um gato para habitar a residência. Mas um gatão daqueles criado com vó. Aí você já viu, não é? Gato e rato é como água e óleo. É como Espiridião Amim e Jorge Bornhausen. É Dilma e Serra. Nao; Dilma e Serra não. Esses dois calçam o mesmo sapato. O fato é que os bichanos odeiam os pequenos mamíferos comedores de queijo. E foi um tal de sumir rato, que meu Deus do céu. Todo dia desaparecia pelo menos um. A casa lembrava os velhos tempos da Ditadura Militar brasileira. Os coitados sumiam sem deixar vestígios. Mas os que sobreviviam sabiam quem era o autor dos crimes – exatamente como na página triste da nossa república.

          Os ratos resolveram fazer uma assembleia. Hora e local marcado. O porão ficou cheinho, cheinho. Cada qual que desse a ideia melhor para resolver o baita problema. Até que um deles apresentou a melhor de todas.
- Senhoras e senhores, basta que coloquemos um chocalho no pescoço do gato. Aí, toda vez que ele se aproximar fará um barulho danado e dará tempo para a gente fugir.

          Gente do céu, foi um alvoroço total. Os ratinhos davam vivas ao rato gênio. A euforia tomou conta do salão. Finalmente eles se veriam livre do verdugo. O que era uma reunião tounou-se em comício com direito a música, santinho e outras palhaçadas. Foi aí que um rato, daqueles que mal abre a boca, pediu a palavra. Fez-se silêncio. E quando todos esperavam um discurso ele limitou-se a uma pergunta:
- Quem colocará o chocalho no pescoço do gato?

          Nem um som. Os presentes foram saido um a um. Dos ratos o que sobrou foi essa história. Venhamos e convenhamos, paisano, em época de eleição devemos ter cuidado com os candidatos de promessas efusivas. Se queremos um Brasil melhor, temos que ter um plano de combate a corrupção. Quem, eu pergunto, quem apresentou um plano de combate a corrupção? Dizer que vai combater a corrupção é fácil. Quero ver quem apresentou uma estratégia de botar o chocalho no pescoço do gato. E olha que gato gordo é o que não falta no país descoberto por Pedro Álvares Carbral. Um gato gordo: o judiciário. Outro gato obeso: o Congresso Nacional. É, simpatia, será que restará a nossa história?

terça-feira, 7 de setembro de 2010

          A sinfonia da cachoeira é quebrada quando resolvo me deitar. Acabei a leitura do livro que começara de manhã. É sobre a avareza. Confesso que lutei muito para não desistir do intento. Sabe aquele livro que a gente tem que ter muita força de vontade para não largá-lo na primeira ida à geladeira? Não vou dizer o nome da obra e muito menos o do autor; seria deselegante da minha parte. Suspirei fundo quando finalizei a última parte. Saio da cadeira – que as pessoas insistem em chamar de “do papai” – e vou me deitar. Antes ponho um Cd para ninar-me. Apago a luz e, com a cama nas costas, olho pela janela. Não vejo nada. O cantor fala de uma agonia. E eu, como bom nordestino, fico aperreado de não ver nada através dos vinte e quatro retângulos de vidro que compõe a janela do quarto. Abro os olhos no máximo. O sítio é todo escuridão. De certo vai chover, imagino.

          Insisto em olhar pela janela lateral e ela aos poucos parece se acender. Segundos atrás eu nem podia vê-la. As sombras das árvores morro acima se delineiam. Surge uma estrela, outra e mais outra. Uau!, o céu é uma constelação. Sem luzes artificiais o firmamento é pura exuberância. E eu pensando que ia chover. Lamento minha pouca visão e lembro do ditado que costumo recitar: “Sou igual São Tomé, só acredito no que vejo.” Enquanto isso o artista cantarola nas caixas de som dizendo que “canta uma canção bonita falando da vida em ré maior”. Não me entendo comigo. Se eu só acredito no que vejo - e não via a beleza de um céu estrelado por causa da pouca acuidade visual - devo continuar esperando a chuva? Quando as pupilas se dilataram, o que era puro breu virou riqueza de detalhes. E pelo fato de este ignorante aqui não vislumbrar as estrelas, não significa que elas não estavam lá. Eu é que não as via. Problema meu. Devo negá-las? Tenho esse direito?

          Aos meus ouvidos Oswaldo Montenegro sussurra que “amava como amava um pescador. Tento entender minhas razões para acreditar apenas no que vejo. Decepciono-me com meus próprios argumento. E enquanto discuto comigo meus pensamentos se desconectam. As estrelas vão sumindo, as sombras das árvores esmaecem e a janela some. A chuva não vem. Ainda bem que liguei a tecla sleep.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Receita Federal e as eleições presidenciais

          Quem nasceu primeiro, ovo ou a galinha? Se você é criacionista não pensará duas vezes antes de responder que foi, claro, a galinha. Por outro lado, se és evolucionista queimarás algumas pestanas até dar um parecer. A verdade é que a pergunta costuma ser repetida quando surge um assunto polêmico. E ele apareceu, nos últimos dias, na figura da quebra de sigilo fiscal da filha do candidato tucano José Serra. A pergunta que não quer calar, como diriam os provocadores, é: O PT fez o esquema ou foi o PSDB quem armou para tentar reverter a queda livre da revoada comandada por Serra? Para saber a resposta é só raciocinar:
Primeiro, é um jogo sujo.
Segundo, para usar de tais baixezas tem que ser bandido diplomado. 
Terceiro, há de se ter muita cara de pau. E bota muita nisso.
Quarto, é se achar acima da lei, portanto, inatingível.

          Contra o PT os adversários podem alegar que o partido dos trabalhadores quis garantir a vitória a todo preço. Para isso sujou as mãos. Buscou fatos que poderiam usar durante a disputa, caso percebesse o risco da derrota. Para quem acha difícil é só lembrar do caso Watergate. Nixon tinha larga vantagem sobre a oposição. Mesmo assim jogou sujo. Foi caçado e entrou para história como o presidente americano envolvido no maior escândalo de espionagem política dos yanques. Talvez até, do mundo. Pesa também contra o partido os crimes cometidos por alguns dos seus principais expoentes. Quem não se lembra do Mensalão?  Pesa também as alianças feitas pelo PT. O partido é unha e carne com os Sarney, por exemplo. Opa, tem urubu sobrevoando os céus petistas. Assim sendo, cara de pau de acima da lei tem um monte nesse pacote. Bandido diplomado, então!

          E contra os Tucanos? O argumento mais óbvio é o da derrota iminente. Os governistas entendem que esse é o último suspiro antes da morte. Para os caçadores de plantão, os pássaros do bico grande perderam a capacidade de voar. Não tem força nas asas e passaram a gritar como galinhas de angolas. É perfeitamente cabível que o desespero possa levar alguém a cometer tal ato de insanidade. Hora, hora, meus senhores, certos políticos são capazes de vender a mãe. A mãe deles, diga-se de passagem, porque as mães do povo eles vendem todos os dias. Acho difícil acreditar que o PSDB tenha usado de tal artimanha para tentar evitar a derrota nas urnas – derrota que, ao meu ver, nem a Rede Globo pode evitar. Mas quando lembro que FHC e a tucanada vendeu o Brasil... Vais dizer que não lembras das privatizações?! Para quem vende o país, o que é vender a família? Pesa, ainda, contra o partido, as múltiplas CPIs que foram abafadas.

          No final das contas, o que existem são conjecturas. Por mais que raciocinemos, ficamos quase na mesma. Venhamos e convenhamos: cara de pau, bandido diplomado, sujo e acima da lei tem nos dois lados da trincheira. Lembro do poeta Gregório de Matos, o Boca do inferno, quando retratou a Bahia. O leitor, ou a leitora, pode até trocar “Bahia” por “Brasil”.

“De dous ff se compõe
esta cidade a meu ver,
um furtar, outro foder.

Se de dous ff composta
está a nossa Bahia,
errada a ortografia
a grande dano está posta:
eu quero fazer aposta,
e quero um tostão perder,
que isso a há de perverter,
se o furtar e o foder bem
não são os ff que tem
Esta cidade a meu ver.”

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Nossas cargas de cada dia

          Li certa vez uma fábula hispânica sobre a origem dos pássaros. É mais ou menos assim: No princípio os pássaros foram criados sem asas. Tinham uma bela plumagem, uma voz maviosa, mas não voavam. Não tinham asas. Caminhavam. Certo dia o criador avisou que todos deveriam se apresentar em um grande campo. Os pássaros, obedientes ao pai da criação, fizeram-se presente no local indicado. Na frente de cada um deles foi colocado um fardo. Cada um ganhou o seu. Desde o pequeno colibri até a maior das aves de rapina. Eles ficaram intrigados com aquelas cargas depositadas à frente. De repente surge a divindade. Pede que cada um coloque o respectivo fardo nas costas. O zum-zum-zum foi geral. “De onde já se viu, carregar um peso desses”, reclamou um. Foi o estopim, a revolta generalizou-se. O ser supremo acalmou-os e orientou-lhes de como proceder.

          Um a um eles foram cedendo e amoldando os fardos. E começaram a andar com aquela tralha nos lombos. Passaram a correr. Balançaram os novos apetrechos. Sem explicação começaram a ganhar altura. Passaram a ver a relva de cima. O mundo ganhou novo significado. Os fardos se tornaram em asas. Quantas vezes, colega, reclamos de coisas que, aparentemente, não nos ajudam em nada? Não esqueçamos, pois dessa fábula.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Rambo 24, Stalonne sai do armário

          No último fim de semana fui ao cinema assistir Rambo 23. Na verdade o nome do filme é Os Mercenários. Mas bem que podia ser Rambo 23. Stallone se apresenta, ou pelo menos tenta, como se fosse o saradão Rambo de 1982. A boca torta do ator, consequência do fórceps utilizado em seu parto, tem a companhia de paralizados músculos faciais - frutos de plásticas, botox e delicadezas do gênero. E chamo o longa-metragem de Rambo 23 porque o próximo filme do americano será Rambo 24, Stallone Sai do Armário. Como eu sei disso? Elementar, paisano. É como acontece no livro Crônica de Uma Morte Anunciada, do jornalista colombiano Gabriel Garcia Marquez. Nele, o personagem principal, Santiago Nazar, é condenado à morte desde o início. O nobel de literatura inicia o texto informando que Santiago morreu. Mesmo assim o leitor é levado a acreditar que o bonitão não vai se dobrar à foice da "marvada".  No fim do livro, Santiago, conforme prometido, sucumbe. 

          Os 64 anos de músculos não me engana, nem engana o DJ Maluco: "Tu é gay, tu é gay que eu sei". Stallone aproveita o cenário do lindo município de Mangaratiba, no Rio de Janeiro, para soltar a franga. Venhamos e convenhamos, senhoras e senhores, o velho Rock Balboa dá cada escorregada que não engana nem meu inocente avô, que já se foi ha décadas. Vale a pena assistir. O filme é uma mistura de Rambo, a Gaiola das loucas e Tratamento de choque. Se você tem um olhar não muito ingênuo, perceberá uma crítica ao presidente da Venezuela, Hugo Chavez. Fica evidenciado a arrogância "libertadora" dos americanos. O que não fica claro é o papel de Arnold Schwarzenegger. Muito menos o de Bruce Willes. Eles fazem uma pontinha, talvez, que fique claro, para apoiar o colega Stallone em sua missão de virar borboleta.