O cidadão compra um terreno, contrata um escritório de arquitetura e constrói uma casa de alto padrão. Outro indivíduo, menos endinheirado, adquire uma casa de dois dormitórios financiada em 456 anos. O que as duas residências terão em comum? Até Ana Maria Braga é capaz de acertar a resposta: um lugar para guardar tralhas. E sempre temos coisas sem valor para esconder das visitas. Quando um amigo, ou amiga, combina de aparecer, nos preocupamos logo em limpar a sala, ocultar hábitos cotidianos e simular organização. Lógico, tem gente que faz isso normalmente. Outros, entretanto, precisam de um empurrãozinho. E não adianta o visitador implorar, não vamos mostrar a bagunça. Essas coisas não devem ser compartilhadas, a não ser com os de casa. O interessante é que agimos assim também com nossos valores abstratos. Costumamos expor comportamentos tidos como saudáveis, camuflamos, digamos assim, sentimentos menos toleráveis – cólera, avareza e inveja, por exemplo.
Quando criança – e lá se vão décadas, meu Deus! – sempre que este incircunciso cometia algum ato falho em família, dona Margarida advertia: “Costume de casa vai à praça”. É a mais pura verdade. Nossos hábitos particulares são levados à coletividade. Nossas, praças, ruas e avenidas são tsunamis de ações individuais que quando somadas causam horror. O que acontece é que acostumamos nosso olhar. Não nos impressionamos quando vemos mendigos dormindo sob marquises de lojas. Fazemos ouvido de mercador quando ouvimos pessoas vendendo pessoas em pequenos panfletos nas vias mais movimentadas. Ignoramos os andrajos humanos que se deterioram pelas sarjetas suplicando uma dose a mais. Não “estamos nem aí” se o miserável não tem banheiro público para fazer suas necessidades básicas de asseio. Ficamos indignados, porém, se um mequetrefe se atreve a retratar essa realidade.
O jornal“Folha de São Paulo traz hoje uma matéria cujo título é: "Google Street View" gera polêmica com imagens constrangedoras pelo país. Depois relata quais são as tais imagens: “Um homem de olho nos cartazes de um cinema pornô, uma prostituta e um travesti com os seios ao léu, um bêbado caído na sarjeta, um rapaz coçando o sexo, alguém passando mal numa poça de vômito e um pedestre defecando na calçada”. Ora, ora, simpatia, deveríamos ficar revoltados com nosso modo de vida. Injuriados com os homens que elegemos para nos governar. Não, aceitamos passivamente nossas mazelas. E depois achamos ruim quando alguém, por motivos os mais diversos, abre nosso quartinho de tralhas e descobre nossas mazelas. Voltando a minha infância, recordo um locutor que sempre dizia: “Se você não quer que os fatos sejam divulgados, não deixe que os mesmos aconteçam”. Deu.
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