O polvo morreu. Assisti, emocionado, a reportagem de hoje cedo na televisão. O repórter relembrava as previsões que o célebre molusco fazia antes de cada jogo da última copa do mundo. A música de fundo e o jogo de imagens quase levaram o profissional da notícia às lágrimas. Eu, confesso, quase chorei. De indignação, meu povo! Imagine só: ligar a TV pela manhã, para me inteirar de notícias importantes, e ter que agüentar um aprendiz de Nelson Rodrigues querendo me sensibilizar com a morte de um polvo. É muita futilidade para minha cabecinha de nordestino. Logo eu, que no fim de semana passado li Memórias de um Burro Brasileiro. A morte de Agapito, o burro brasileiro do livro, dá de 10 a zero no tal polvo. Sim, porque Agapito, assim como Jesus Cristo, São João Maria e Elvis Presley, morreu, mas ta vivinho da silva. Isso mesmo, o burro brasileiro, publicado em 1977, está atualizadíssimo.
Burros e polvos à parte, como são fúteis as criaturas que habitam esse asteróide pequeno chamado Terra. Como são capazes de apequenarem-se cada dia mais, a ponto de fazer longas reportagens sobre um coitado de um molusco. O falecimento do Mister M da copa ocupou mais tempo do telejornal a que me refiro do que a morte do senador Romeu Tuma, ex diretor do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social – órgão repressivo da ditadura militar ). Nesse caso, e só nesse, até que o polvo mereceu a dianteira. A verdade – e a verdade é a verdade, como diz minha amiga Cristina, de apenas sete anos – é que nem um deles me deixa saudade. Nem o polvo, um fanfarrão criado para iludir, mais ainda, o povo, e nem o Tuma, que durante muito tempo oprimiu o povo.
Quem sabe o povo, sem polvo e sem Tuma, prefira as memórias de um burro brasileiro. Sheid, meu cachorro, insiste em me dizer que está tendo contato diário com burros brasileiros. Será paranormal, meu pulguento? Sai de retro, Sheid, vai conversar com os assalariados que estão fazendo campanha política para eleger tiranos.
- O que? Já conversas com esse povo todo dia, Sheid?
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