“Sabe com quem você tá falando?”
Quem de nós nunca ouviu tal frase? Se não ouviu, conhece, de certeza, alguém que teve o desprazer de escutá-la. A pessoa que pergunta, geralmente, acha-se importante demais para ter que se sujeitar às regras e tratamentos dispensados aos comuns. É o conhecido carteiraço. E por mais antiquado que pareça, continua vivíssimo. Agora tem uma situação que me parece sensacional: o cara implora tua atenção, roga para ser ouvido e você não quer perder tempo com um cidadão que não tem a menor chance de latir um “sabe com quem você ta falando”. É que a gente se acostuma com os títulos, passa a respeitá-los e só dá trela para quem os carrega no peito ou na garganta.
Certa vez, fim dos anos setenta e início dos oitenta do século passado, um amigo meu estava caminhando pelas quadras da Asa Sul, na minha saudosa Brasília. Digo minha porque além de ser a capital do país onde nasci e moro, abrigou-me por alguns anos. Chamo de saudosa porque só quem morou lá conhece as delícias da vida no planalto central. E mesmo com todos os dejetos humanos que os Estados da Federação para lá enviam, Brasília continua firme e forte, feito palanque no banhado. Voltemos ao meu amigo, voltemos à caminhada.
Quando passou em determinada quadra, que confesso não lembrar qual, ouviu um tímido chamado. Um rapazola com seus dezesseis anos segurava um violão. E pediu que meu amigo escutasse as canções que fizera. Que as avaliasse. Estava aflito por uma aprovação, mesmo que fosse de um incógnito passante. Meu amigo, apesar de desconhecer o projeto de cantor, foi educado e ficou lá ouvindo algumas músicas. Depois o anônimo perguntou o que Marcelo – esse é o nome do meu amigo – achara das composições. O filho de catarinenses mostrou-se impressionado com a qualidade das canções. E foi embora.
Anos depois Marcelo foi surpreendido com a presença daquele ex-anônimo, agora famosíssimo, empunhando uma guitarra e cantando a plenos pulmões em horário nobre da televisão. E Marcelo lembrou de imediato a música que ouvira anos antes em um banco qualquer de uma quadra residencial de Brasília: “Tire suas mãos de mim, eu não pertenço a você. Não é me dominando assim, que você vai me entender. Eu posso estar sozinho, mas eu sei muito bem aonde estou. Você pode até duvidar, acho que isso não é amor”. Renato Russo não tinha nome, consequentemente não podia ter obrigado Marcelo a ouvi-lo. Marcelo, por sua vez, teve a honra de assistir a um show particular daquele que se tornaria uma lenda da música brasileira. Estamos preparados para escutar quem não tem carteira para nos mostrar?
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