O que o Rio de Janeiro está fazendo para combater o crime organizado - um velho problema - não tem nada de novo. Neste artigo de 2009, o professor universitário especialista em segurança pública Dolvim Dantas já apontava as medidas que a Cidade Maravilhosa deveria adotar para enfrentar o "poder paralelo" e preparar-se para sediar a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
Um “estado paralelo” ameaça um Estado de direito
Por que o crime organizado coloca mais uma vez o Rio em xeque, após ferrenha disputa internacional do governo brasileiro para sediar a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016?
Ouvindo diferentes opiniões de especialistas entrevistados pela mídia nacional nesses últimos dias, podemos citar alguns comentários coerentemente proferidos: décadas de descaso na segurança pública; despreparo e corrupção das polícias estaduais; equipamentos de combate obsoletos; fronteiras praticamente desguarnecidas; autoridades corrompidas; ação letal e ineficiente da polícia; burocracia na aquisição de produtos importados; e falta de prioridade em políticas de segurança pública.
São esses os verdadeiros motivos que fazem um “estado paralelo” gerenciado pelo crime organizado ameaçar um Estado de direito?
Esta resposta é complexa e necessita de um breve contexto histórico. A primeira facção criminosa conhecida no Brasil nasceu no Estado do Rio de Janeiro com o codinome de Falange Vermelha. Foi concebida na década de 70, mediante a convivência permitida entre presos políticos e criminosos de alta periculosidade confinados, àquela época, no presídio de segurança máxima da Ilha Grande.
Na década de 80, remanescentes da Ilha Grande e outros criminosos encarcerados formaram a facção denominada Comando Vermelho. Este bando, orientado inicialmente por doutrinas insurgentes, era financiado pela venda ilegal de drogas nos presídios e arredores dos subúrbios do Rio. O negócio foi tão lucrativo e vantajoso que, em pouco tempo gerou confrontos e fracionamentos na entidade. A consequência advinda dessa ruptura foi, inicialmente, a criação do Terceiro Comando e, posteriormente a da facção Amigos dos Amigos, hoje, a principal rival do Comando Vermelho.
Ainda nos anos 80, o crime organizado descobriu que, para expandir seus interesses, seria necessário infiltrar, aliciar e subornar os órgãos repressores. Tendo em vista os baixos salários pagos em algumas dessas instituições, isso não foi obstáculo nenhum. Dessa forma, começou a saga da infiltração perniciosa do crime nos “poderes constituídos”. No Rio de Janeiro, por exemplo, um governo irresponsável e conivente proibiu a Polícia de subir os morros da cidade para cumprir o dever constitucional da manutenção da lei e da ordem alegando, descaradamente, amparo nos preceitos dos direitos humanos. Será que este foi o verdadeiro motivo? Essa decisão, induzida possivelmente por “suborno” e “troca de favores”, foi, salvo melhor juízo, a “inseminação” da célula podre que gerou a “metástase” que colocou em “coma profundo” a segurança pública do Estado do Rio de Janeiro e contagiou inclusive, outros estados da federação.
No início da década de 90, com a irmandade do crime mais fortalecida, o Estado perdeu ou enfraqueceu o poder de fiscalização sobre portos, aeroportos e suas principais rodovias. O modal rodoviário dos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo, já constituía o principal duto utilizado para escoamento do tráfico de drogas oriundo do Paraguai e da Bolívia, com destino ao Estado do Rio de Janeiro. Essa logística criminosa, quase sempre despercebida, foi protegida mediante cooptação e infiltração de agentes do crime nos mais diversos níveis da burocracia estatal. Tal foi a grandeza de benefícios ilicitamente pagos em troca de proteção, perpetração e conivência, que os chefes das quadrilhas não admitiam contratempos aos seus negócios, advindos de certas instituições ou autoridades (des)constituídas. Um exemplo disso, de grande repercussão, foi o episódio em que o auxiliar de certo contraventor carioca ligou desesperado ao chefão, avisando-o que seu bunker estava sendo vasculhado pela polícia. Em resposta, o “manda-chuva” questionou seu interlocutor: “Que polícia é essa que não me avisou?”.
A omissão do Estado em coibir essa conivência imoral entre autoridades (des)constituídas e contraventores foi tão danosa para a cidade do Rio de Janeiro que, hoje, existem aproximadamente, 150 favelas totalmente controladas por traficantes oriundos das três facções supracitadas. Essas comunidades são praticamente obrigadas a conviver com pontos de venda (bocas de fumo), identificados, alegoricamente, com bandeirolas coloridas, semelhantes a um local de “festa de São João”.
Essa indecente parceria entre o bem e o mal, a ordem e o caos, foi determinante para que o crime organizado no Estado do Rio de Janeiro pudesse:
- decretar “apagão” no comércio, nos transportes, nas escolas, nas vias públicas e na rede dos estabelecimentos bancários públicos e privados;
- aliciar os melhores alunos da rede pública, custeando os investimentos em cursinho e faculdade de Direito, no anseio de tê-los amanhã como “advogados” do crime;
- estabelecer hierarquia e estatuto próprio;
- fazer investimentos financeiros, inclusive com aplicações na bolsa;
- subornar policiais e autoridades constituídas;
- executar resgates de presos e espetaculares assaltos a bancos;
- patrocinar fugas e rebeliões;
- depredar patrimônio público, como delegacias, postos policiais e outros; e
- determinar toque de recolher e até negociar supostas submissões ou períodos de calmarias, por tempo determinado (ECO 92 e Jogos Pan-Americanos de 2007, por exemplo).
A invasão das facções criminosas do Jacarezinho e Morro do Alemão na comunidade do Morro dos Macacos e o abate, em pleno voo, de um helicóptero da Polícia Militar foram, indiscutivelmente, um recado muito claro da indiferença do poder do crime organizado às leis e às ordens de um Estado há muito comprometido. No entanto, se havia pretensão de testar o poder de resposta do atual governo do Estado, perderam a oportunidade de preservar o aparente “poder adquirido”. A resposta será fulminante ....
O que, então, será necessário fazer para fortalecer a segurança pública do Estado do Rio durante a realização da Copa e das Olimpíadas?
Unificar as polícias estaduais? Não. As atribuições constitucionais de cada uma delas e a formação acadêmica (militar e civil) são muito diferentes. No entanto, é necessário estabelecer um rigoroso critério de seleção, seguido de um elevado nível de formação e capacitação, motivado por um justo salário que justifique o risco da própria vida.
Infelizmente, em diversos Estados, a formação e a capacitação do policial são precárias ou, nem mesmo existem. Assim, nesse contexto, seria interessante o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania – PRONASCI, criar, em parceria com os Estados, centros de formação regionais com doutrinas básicas unificadas e, também, específicas às reais necessidades de segurança pública daquela região. Isso evitaria, entre outras coisas, empregar o policial da região Sul em áreas urbanas da cidade do Rio, onde nunca pisou.
O que é necessário implementar entre as duas polícias é a centralização, coordenação e execução das operações de inteligência. Essa estratégia, tem feito a diferença na segurança pública dos Estados de São Paulo e Minas Gerais.
Legalizar a maconha e as outras drogas? Não. A experiência vivenciada na Holanda, após a legalização do uso das drogas, por exemplo, não foi benéfica nem considerada uma campanha politicamente correta.
No entanto, uma comissão nacional defende a descriminalização da posse de maconha para consumo pessoal, alegando ser uma das alternativas para reduzir o dano que as drogas trazem à sociedade. Esta comissão argumenta, entre outras coisas, que as políticas repressivas de combate às drogas na América Latina fracassaram, que o mercado de consumo funciona à revelia da repressão e que o consumo de drogas deve ser enfocado como um tema de saúde pública.
Na verdade, só “fracassou” porque a repressão foi empregada isoladamente e em descompasso com as ações de prevenção e recuperação. Proibir, simplesmente, significa induzir o mercado do tráfico a extorquir o consumidor, subornar autoridades civis, corromper as polícias civil e militar e instigar a violência urbana.
O consumidor carioca de classe social privilegiada, em princípio, não pratica violência para alimentar seu vício. No entanto, os pobres e excluídos, que se drogam muito cedo para amenizar as agruras da vida, praticam o que for preciso para custear e saciar o vício da dependência química ( violência de varejo). A comprovação dessa realidade está no sistema prisional ou nos centros de recuperação (ou deformação) de menores. Nesse contexto, realmente, a droga é um tema de saúde pública.
A aprovação da lei Nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, que abranda a punição para usuários de drogas, instigou o consenso de uma liberação total. Contudo, é precoce discutir a legalização geral das drogas no Brasil sem buscarmos, inicialmente, outras alternativas.
Se “proibir” o narcótico agrava o crime associado ao consumo, corrompe autoridades, superlota as cadeias e aumenta excessivamente o valor de venda; “legalizar” é assumir a leniência de interesses espúrios ou a incapacidade de gerir um problema social. Uma alternativa, mais coerente que a “legalização”, é armazenar toda a droga ilícita apreendida no Estado e criar, junto ao Ministério da Saúde, centros de reabilitação de usuários de drogas, nos quais, o Estado, formalmente, pudesse diagnosticar, cadastrar, orientar e finalmente recuperar por meio do “fornecimento controlado” dessas substâncias. É evidente que, atrelado a um projeto dessa envergadura, são necessárias muitas outras providências. Todavia, este fornecimento controlado, mais benéfico que a legalização e menos maléfico que a repressão, anularia praticamente, a clandestinidade das drogas e decretaria a desvalorização da moeda “narco”, tão inflacionada pelo “manto da ilegalidade”.
Privatizar o sistema prisional? Acho uma solução viável. Hoje, a população carcerária do Brasil ultrapassa 400 mil detentos distribuídos nas diversas dependências do sistema carcerário (cadeias públicas, penitenciárias, colônias agrícolas, hospitais de custódia etc.). No Rio, e praticamente em todas as prisões estaduais, além de conviver com a falta de trabalho (ociosidade), o detento é tratado de forma sub-humana. Se a justificativa para essa conduta é a falta de recursos financeiros, por que não privatizar? Por que só reprimir o crime? Por que não prevenir e recuperar?
Compreender esse sistema exige estudo aprofundado, mas uma proposta de recuperação da massa carcerária, do Rio de Janeiro, e demais estados seria a adaptação dessas “latrinas” em escolas profissionalizantes (de pedreiros, eletricistas, marceneiros, serralheiros, cozinheiros, padeiros etc.) e, até mesmo, em fábricas com produção industrial. Tudo isso, vinculado a programas sociais “pós-pena”, com os quais o empregador pudesse receber, por exemplo, redução tributária, quando contribuísse para a inserção do ex-presidiário no mercado de trabalho. Pena concluída, cidadania devolvida!
Por que isso não é aplicado ao sistema prisional do Rio de Janeiro e demais estados da federação? Porque o “modus operandi” da repressão ao crime só vê tropas de elite, viatura blindada, fuzil importado, coletes israelenses e helicópteros sem blindagem, desfilando na linha de tiro dos criminosos. Mais grave ainda, sem empregar cortinas de fumaça (doutrinário), a fim de impedir a observação inimiga à aeronave, quando voa em rota de aproximação sobre área hostil edificada. Culpa da polícia? Não. Nada contrário à modernização das polícias.
Controlar as fronteiras do Estado do Rio? Sim. A dificuldade de implementar a fiscalização em algumas localidades e áreas isoladas ao longo da extensa fronteira brasileira permite que o contrabando, oriundo principalmente da Colômbia e da Bolívia, adentre em qualquer Estado da federação. Uma forma de proteger relativamente o Estado é adotar Linhas de Contenção.
A primeira linha de combate ao crime deve estar localizada nas fronteiras do estado e instalada nos principais eixos rodoviários. Essa barreira física deve ser mobiliada por todos os órgãos de segurança pública empenhados na missão de repressão ao crime. Os portos, aeroportos e rodoviárias enquadram-se nesta linha de contenção.
A segunda linha de contenção deve estar posicionada em um perímetro, logo após uma convergência de eixos rodoviários, onde praticamente o fluxo de trânsito é canalizado para o centro de gravidade do dispositivo urbano.
A terceira linha de contenção deve estar instalada nos acessos diretos às áreas de destino da mercadoria ilícita.
A quarta e a quinta linhas de contenção são de caráter reservado às operações de inteligência e defesa nacional. Esta técnica é conhecida como controle de eixos e foi utilizada no planejamento antiterror da polícia da França, durante a realização da Copa de 1998. Havendo interesse, solicite o “CASE”.
Nos jogos da insegurança pública, o Brasil ocupa a terceira colocação no pódio dos países com maior índice de violência do mundo - medalha de bronze. Se o “descaso” continuar, será inegável o favoritismo às medalhas de prata e ouro em 2014 e 2016 respectivamente.
Prof. Jori Dolvim Dantas
joridolvim@uol.com.br
Quem é Dolvim Dantas? Dá uma olhada em alguns dos cursos que ele fez:
Technical
Intelligence - National Intelligence Academy – EUA;
Tolerância
Zero na Universidade Metropolitana da Flórida – EUA;
Defense Planniing and Resourse Management – National
Defense University – EUA;
Avançado de
Terrorismo e Contra-insurgência – National Defense University – EUA;
Special Operations & Anti-terror Tactics – Israel;
Operaciones
Tacticas Avanzadas (conta-terrorismo) – Espanha;
Cours
International de Criminologie – França;
Criminologia
sob a ótica criminalística – Brasil; e
Psicologia
Comportamental – Interpretação do suspeito pela linguagem do corpo – Brasil.
(Mestrado).
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