O camarada acorda às três e meia da manhã.
Apavorado, imagina que ainda está dormindo, sonhando. Não, tendo um terrível
pesadelo. Se bem que, se é pesadelo, é sempre terrível. Entre o real e o
abstrato, nota três olhos observando-o. Seria Yama, o filho de Mefisto, aquele
horrendo bruxo que fazia de tudo para matar Tex Willer, meu herói de infância
da revista em quadrinhos? Naquela época, um lençol resolvia o problema. Bastava
apertar as pálpebras ao limite, cobrir-se da ponta do pé à cabeça e esperar que
a camuflagem afugentasse aquele bruxo de rosto cadavérico e barbicha em forma
de cone. Nem mesmo o calor do Nordeste impedia a construção de minha
improvisada trincheira sobre a cama de campanha no barracão onde eu dormia na
companhia de meu avô materno e de meus irmãos. De tanto medo, adormecia. No
outro dia, ainda ressabiado, procurava a revista para ler outra vez.
"Yama, seu desgraçado, quero ver você me apavorar agora sob esse sol que
espanta demônios", pensava minha inocência de oito anos incompletos. Quando
as trevas caíam sobre o sítio em meio à mata atlântica, eu me preparava para
mais uma violenta guerra sobrenatural. Com receio de provocar mais ainda a ira
de Yama, não contava a ninguém de seus assustadores ataques.
Nossa casa ficava a cinquenta metros do rio que chamávamos de Ponte Velha. O curso d’água levava o nome por passar sob a antiga ponte da BR-101. Luz elétrica nem pensar, o que já era um baita ingrediente para a imaginação de uma criança. A chama dançarina do candeeiro fazia surgir imagens medonhas do arqui-rival de Tex nas paredes. Entre uma colherada e outro de cuscuz, o infeliz Yama fazia ameaças do tipo “espera, menino”. Meu avô, o maior santo que conheci, era minha única esperança caso o tinhoso desferisse um ataque forte o suficiente para ultrapassar o delgado lençol que me protegia. Pai Nié, era esse o nome do baixinho de olhos azuis a quem eu estendia a mão antes de me deitar e pedir “a bença”. Avô, naquele tempo era um ser sagrado e consagrado, digno de abençoar um neto indefeso antes de dormir. Claro que Yama fugiria feito uma bala se Pai Nié flagrasse ele perturbando o sono do neto mais novo. A briga com o malvado era, entretanto, pessoal. Perturbar o avô estava fora de cogitação. Meu pai dormia na casa ao lado e diria, caso eu me queixasse a ele: “deixe de ser besta, rapaz”.
Os ataques de Yama perdiam força quando meu irmão Gilson comprava novas revistas de Tex que não traziam o feiticeiro como personagem. Aí eu podia ler à vontade. De pistoleiro eu não tinha medo. Sim, lá em casa tinha arma de fogo e com elas eu estava acostumado. O tempo passou e o Gile cresceu. Enfrentou gente bem pior do que Yama. Conheceu uns tipos que fariam, sem dúvida, do tenebroso Yama um office-boy. Não vou citar nomes para não gerar desconforto no inferno. Agora, na quarta década por este mundo de meu Deus, sou acordado por três olhos de outro mundo. Quando retomo a consciência é que o mistério se desfaz. Um olho grande, vermelho, vinha da parte inferior da televisão. Outro, também vermelho era do aparelho de DVD. O terceiro, o mais aterrorizante, verde e se mexendo, era do decodificador da TV por assinatura e informava o canal número trezentos, que eu ativara para ouvir duas músicas antes de entrar no mundo dos sonhos.
Nossa casa ficava a cinquenta metros do rio que chamávamos de Ponte Velha. O curso d’água levava o nome por passar sob a antiga ponte da BR-101. Luz elétrica nem pensar, o que já era um baita ingrediente para a imaginação de uma criança. A chama dançarina do candeeiro fazia surgir imagens medonhas do arqui-rival de Tex nas paredes. Entre uma colherada e outro de cuscuz, o infeliz Yama fazia ameaças do tipo “espera, menino”. Meu avô, o maior santo que conheci, era minha única esperança caso o tinhoso desferisse um ataque forte o suficiente para ultrapassar o delgado lençol que me protegia. Pai Nié, era esse o nome do baixinho de olhos azuis a quem eu estendia a mão antes de me deitar e pedir “a bença”. Avô, naquele tempo era um ser sagrado e consagrado, digno de abençoar um neto indefeso antes de dormir. Claro que Yama fugiria feito uma bala se Pai Nié flagrasse ele perturbando o sono do neto mais novo. A briga com o malvado era, entretanto, pessoal. Perturbar o avô estava fora de cogitação. Meu pai dormia na casa ao lado e diria, caso eu me queixasse a ele: “deixe de ser besta, rapaz”.
Os ataques de Yama perdiam força quando meu irmão Gilson comprava novas revistas de Tex que não traziam o feiticeiro como personagem. Aí eu podia ler à vontade. De pistoleiro eu não tinha medo. Sim, lá em casa tinha arma de fogo e com elas eu estava acostumado. O tempo passou e o Gile cresceu. Enfrentou gente bem pior do que Yama. Conheceu uns tipos que fariam, sem dúvida, do tenebroso Yama um office-boy. Não vou citar nomes para não gerar desconforto no inferno. Agora, na quarta década por este mundo de meu Deus, sou acordado por três olhos de outro mundo. Quando retomo a consciência é que o mistério se desfaz. Um olho grande, vermelho, vinha da parte inferior da televisão. Outro, também vermelho era do aparelho de DVD. O terceiro, o mais aterrorizante, verde e se mexendo, era do decodificador da TV por assinatura e informava o canal número trezentos, que eu ativara para ouvir duas músicas antes de entrar no mundo dos sonhos.
É, Yama, nossos combates
eram muito mais saudáveis.
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