– Figueira filho da (…). – Gritou o fanático torcedor azul e branco. - Figueira, a quem ele se refere, é o torcedor do Figueirense, arquirrival do Avaí.
– Vai tomar (…), Avaí de (…). – Respondeu o rapaz do apartamento ao lado.
– É Avaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaí, cara&^%$#*. – Esgoelou-se outro adorador do time que acabava de fazer o terceiro gol no São Paulo.
– Vai pra (...), seu (...). Secador duma (...). – Alguém fez coro às belas vozes que se apresentavam pelas sacadas dos prédios na noite de quarta feira.
– Cala a boca aí, seu (...). – Mandou um camarada de mais idade. Pela voz, não tinha menos do que 60 anos. Podia ter dormido sem escutar:
– Vai dormir, velho, gaúcho de merda. Tu nem é manezinho (apelido dado ao nativo da ilha de Santa Catarina), po*&%$. Te manda daqui. Sai da minha área seu (...). – E as expressões racistas, contra os gaúchos, principalmente, ecoaram por uma das regiões ditas mais “nobres” de Florianópolis.
Cada um que ia até a sacada, ou à janela, do apartamento onde se empoleira, gritava como quem acaba de perder a mãe vítima de uma facada no peito. A noite da orla marítima de Floripa esfacelou-se em palavrões que o menorzinho tinha três metros de altura. Graças ao meu bom Deus, nenhum grito feminino foi ouvido. Pelo menos nessa fossa transbordante elas não colocaram seus delicados pezinhos. O desfile de vozes era todo masculino. O Avaí precisava vencer o São Paulo com, pelo menos, dois gols de diferença para se classificar para as semifinais da Copa do Brasil. E realizou a façanha. Como quem anda de montanha russa pela primeira vez, os torcedores do time do Guga não conseguiam conter a própria boca. E nesses momentos, paisano, o espírito do homem transborda e o excesso procura um orifício para ganhar a liberdade. Acha-a pelas cordas vocais. As cadeias que aprisionam as idéias, vontades e desejos se soltam. Liberamos os bichos que moram dentro de nós: preconceito, ódio, desejo de matar...
E quem não tem nada a ver com a pocilga, não consegue fechar as narinas por mais de um minuto. Os tampões nos escutadores de boleros mostram-se ineficientes e as cavidades auriculares dobram-se à torpeza de homens que, àquela hora da noite, bem poderiam estar procurando um marido, uma louça pra lavar ou um pai que a mãe deixou numa zona qualquer. E ainda se acham educados, os tais senhores. No outro dia, como se nada tivesse acontecido, vestem-se com roupas de grifes, perfumam-se e entram em seus possantes. A alma, essa companheira invisível aos olhos de muitos, acompanha-os cabisbaixa. Enrolada em uma túnica escura, com uma echarpe da cor do urubu e descalça, cheira a cadáver de quinze dias. Observo-os, matéria e alma, e as ânsias de vômito me invadem. Com o adiantar das horas, vou me restabelecendo.
Até o próximo jogo.
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