No sítio quem manda é o Pirata. É o mais velho, o que tem o chifre maior e o mais forçudo. Apesar de ser touro, Gerineldo ainda é um frangote e não tem força suficiente para enfrentar o boi mestiço de Jersey com Charolês. Sendo assim, mesmo castrado Pirata é o presidente da República Três Platôs. Três Platôs é o nome do sítio onde eles vivem, e, apesar de não constar no documento da propriedade, chamo-o de República. E, de fato, é isso mesmo, uma República com todas as letras. Pirata, dando chifrada em um e coice noutro, é o mandatário. Apesar de parecer um amor de animal, vira um Arthur Bernardes quando defende os próprios interesses. Bernardes, lembra dele, aquele presidente da república do brasil – assim mesmo, com um ‘b’ pequeno – que cumpriu o mandato inteiro com o país em Estado de Sítio? Perseguindo a tudo e a todos, boicotando a fraquíssima imprensa da época e vendo chifre em cabeça de cavalo, o “Paulista de Macaé”, como era conhecido, governou o gigante adormecido. Pirata segue a mesma linha, ao primeiro sinal de ameaça, desfere uma cabeçada no raquítico Gerineldo. “E daí?”, você pode está pensando. Em frente, paisano.
Daí que Gerineldo está crescendo e, sendo um touro, será eleito pelas próprias forças como o novo regente do pedaço. Engana-se quem pensa que, uma vez tendo combatido o tirano Pirata, o mestiço de Nelore com Jersey – é essa a genética de Gerineldo – estabelecerá a democracia no campo. Necas de pitibiriba, papangu. Gerineldo, assim como fez Getúlio Vargas ao tomar o poder de Washington Luiz em 1930, imporá uma ditadura que fará Idi Amim Dada parecer um anjo bicudo. É assim, meu caro, entre os animais de chifre. É assim na República Três Platôs. É assim sob o plumboso céu de meu Deus. E acho mesmo que até lá em cima a coisa é na base da força. Basta saber que, conforme a Bíblia, Lúcifer era um “bola cheia” do céu até fazer oposição ao criador – danou-se inferno adentro.
Gerineldo acha que Pirata precisa ser mais flexível, dividir o poder e ser menos reacionário. Pirata, cônscio da efemeridade do posto que ora ocupa, nem discute tamanha absurdez. Somos todos democratas, em casa, na escola ou no trabalho. Em casa enquanto filhos, na escola enquanto alunos, no trabalho enquanto reles funcionários. No dia em que assumimos o jugo de pais, no dia que viramos professores, no dia em que vestimos a roupa de chefes, a democracia vira um passado distante, cujos raios luminosos são insuficientes para clarear um centímetro quadrado. Eh!, República, eh!, democracia. Eh!, nós.
Nenhum comentário:
Postar um comentário