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sexta-feira, 7 de maio de 2010

A verdadeira identidade de Sheid

          Vez em quando eu cito Sheid, o meu cachorro, neste espaço. Muitas pessoas perguntam-me por ele. Querem conhecê-lo por acharem-no humano em demasia. Indagam-me de onde o comprei. Querem saber a raça. Eu divago. Brinco. Ontem à noite, entretanto, conversei com o cão por várias horas e resolvemos descortinar a real identidade dele. E a partir de hoje, em dias incertos, contarei detalhes pertinentes a ele. E vou principiar pela origem do moço. Permita-me o “moço”.



          Sheid nasceu em um planeta distante do sistema solar. Faz exatos quarenta anos. É de uma extirpe nobre. Veio para a terra na condição de exilado. Eu lembro, como se fosse hoje, o dia em que o encontrei. Daqui a pouco você notará que foi ele quem me encontrou. Eu morava em Manaus, na Avenida Eduardo Ribeiro. Quem conhece a capital amazonense sabe que o endereço é no coração da cidade. Fica no Centro. É uma subida que tem como ponto pitoresco o Teatro Amazonas. Quando eu queria me desestressar, bastava caminhar duzentos metros e alcançar a margem do Rio Negro. Chegando, bastava uma pataca para ir de voadeira até a outra orla – um mergulho furtivo na floresta. Até que um dia minha vida foi sacudida. O fato aconteceu certa noite, quando eu acabara de assistir, na companhia de Marivaldo e Rogério, um filme sobre alienígenas. Marivaldo é um cara a frente do tempo dele. Rogério, por sua vez, está bem avançado em relação a Marivaldo. Por volta da 22h eles foram para seus apartamentos. Eu fui dormir.

          Acordei encharcado. O rosto perlado por incontáveis gotículas de suor. Era julho. Faltara energia e o efeito do ar-condicionado não deve ter levado mais do que uma hora para se desfazer. Ainda tonteando acendi a luz do relógio de pulso, que deixara na cabeceira da cama, e vi a hora: três da madrugada. Fui até o banheiro e lavei o rosto. Dirigi-me a sala e abri a larga janela que dava para a banda do rio. Esperava que uma brisa, ainda que preguiçosa, amenizasse o calor do nono andar. Naquele instante pude perceber uma espécie de bolha de sabão, do tamanho de um fusca, se aproximando. Foi tudo muito rápido. A velocidade era incalculável. Pareceu-me que estava vindo das bandas de Iranduba. Fiquei estupefato. Havia três seres dentro do bólido. A transparência da pequena nave permitiu-me identificar três cachorros; e eram. Um deles rompeu a redoma que os envolvia e levitou em minha direção. Os outros sumiram no veículo espacial. A cara simpática do indivíduo, o ar bonachão e a finura dos gestos me acalmaram.

          Ele comprimiu-se, como se fosse um contorcionista, e passou pela grade da janela. Estava em minha sala. Recebi-o de bom grado. Sabe aquela sensação que a gente tem quando conhece determinadas pessoas? Aquela impressão de que as conhecíamos a tempo? E, para ser sincero, não acredito que sejam necessários anos de convivência para conhecer alguém. Os indivíduos revelam-se o tempo todo, ainda que não tenham a intenção de fazê-lo. Evidente que algumas facetas, mas são pouquíssimas, passam despercebidas. É o lado desconhecido do ser humano. Quantas vezes você não se surpreendeu com as próprias atitudes? Ora bolas, se não te conheces por inteiro, não seria muita pretensão querer perscrutar o interior alheio? Sheid me falou de onde vinha e porque escolhera a Terra para morar. Depois lhe perguntei: por que eu? Ele me respondeu com um sorriso maroto: “Tem coisas que nem os cachorros sabem responder”.

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