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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A mulher que jogava futebol

          Comprou o terreno no melhor local que o bolso viu. Construiu a casa aonde iria morar até ficar com os cabelos nevados, as juntas encarangadas e a voz sonolenta. Numa rifa ganhou a companheira amada, idolatrada, salve salve do Brasil. Tudo bem, tudo bem, não conheceu a mulher no jogo. De tão bela, amável e intrépida, a abençoada mais parecia um prêmio. Os pombinhos tinham amigos em quantidade considerada. O homem gostava - e como gostava! – de jogar futebol. Não tinha a menor intimidade, contudo, com o brinquedo que levou o Brasil ao delírio em 1970 no México. Nas peladas, era sempre o último a ser escolhido. E o último, para ser sincero, não é escolhido. Escolhido é o primeiro, é o segundo, é o terceiro. Depois é tudo banana do mesmo cacho. O último, embora nem precise dizer, é o pior de todos. E o nosso amigo era quase sempre o derradeiro. A não ser quando aparecia algum que estava mancando devido ao dedão quebrado. Voltemos à casa.



          Em um delírio pueril, misturado aos sonhos de um adulto menino, pediu a permissão da sócia de dormitório. – Mulher, eu gostaria muito de construir um campo de futebol em nosso quintal. É só para jogar uma bolinha com meus amigos, de vez em quando -. A esposa, como sempre, demonstrou prudência: - Isso não vai dá certo, Epaminondas, será muita gente entrando e saindo de nossa casa. Bebida, cigarro e bate-boca não faltarão -. O marido pediu, pediu, implorou e prometeu a mais perfeita ordem. Seria como Costa e Silva, controlando o campinho com um AI-5 na mão. Não restou alternativa à dama do lar. Campo feito, gramado impecável, hora de inaugurar. Sessentas amigos do peito, camaradas do tipo irmão. Ora, ora, se o cara teve dinheiro para fazer um campo no quintal, imagine se não pagaria um churrasco. Cerveja aos borbotões. Carne às pampas. Isso é que é fim-de-semana. Andradina, coitada, terminou a lida mais desgastada do que qualquer atleta. Era um corre-corre de buscar carne, comprar gelo e atender telefone.

          E a romaria à casa dos dois repetiu-se, repetiu-se, repetiu-se. Andradina, coitada, já não brilhava. Epaminondas, esperto, já não era o último a ser escolhido. Era o escolhedor. O capitão da equipe. O Rivelino do pedaço. Ah, e o pagador também, toda a festa era por conta dele.  – Acaba com esse negócio, Epaminondas. É muito homem em nossa casa. Meu fim-de-semana é uma correria, pareço mais uma empregada doméstica -, implorava  a rainha do lar. Cá entre nós, ela estava mais para Jairzinho, o furacão da copa. Esqueci de contar que, com o passar do tempo. Epaminondas já não tinha controle sobre quem entrava e saía na residência. Tinha o amigo, o amigo do amigo e o vizinho do amigo do amigo. Até que um dia um bonitão, não suportou uma jogada desajeitada – vamos dizer assim – do Epaminondas e vociferou: - Sai, sai do jogo. Tu és muito ruim, dá o lugar para quem sabe jogar -. Epaminondas sentiu todo o desprezo que lhe perseguiu desde que deu as primeiras caneladas na coitada da bola.

          Pegou a redonda com as mãos, olhou para o agressor e decretou: - Quem vai sair é você. E não vai sair do jogo, não. Vai sair da minha casa. Ou melhor, todo mundo vai sair. O jogo acabou. E não haverá mais futebol na minha casa -. A turba sai como se estivesse vinda de um velório. Muitos choravam por dentro. Epaminondas chorava mais do que todos. Resta-lhe a confissão: - Andradina, mulher, você estava certa. A partir de hoje, nunca mais haverá jogo em nossa casa -. Chora Epaminondas, chora Andradina. Choro de tristeza choro de felicidade. Acabou a festa, começará a festa. Foi em Brasília que esse fato aconteceu. Mudei os nomes das vítimas, mas o crime está registrado nas memórias de alguns funcionários do Banco do Brasil que moravam por lá nos anos de 1970.

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