O telefone tocou novamente. À semelhança da canção de Jorge Bem, atendi e não era o meu amor. “Alô, é o senhor Gilead Maurício?”, perguntou a voz do outro lado. “Sim, pode falar”, fui educado. Digo fui educado porque o certo era ele se identificar primeiro e depois indagar se era, de fato, eu. Tudo bem, prossigamos com o telefonema. “Estamos ligando para confirmar o exame de rotina com doutora Fulana de Tal, conforme já havíamos agendado com o senhor”, lembrou-me a voz. “Ok, estarei lá”, tranqüilizei-a. Fui, conforme o combinado.
Cheguei ao consultório e fui atendido por um médico que fez de tudo para que eu me sentisse confortável. “Agora vamos verificar sua pressão”, disse após alguns minutos de puerilidades. Depois verificou peso, altura e auscultou meu bombeador de sangue. “O senhor é um jovem senhor muito saudável, seu Gilead”, constatou e repassou-me à médica Fulana de Tal. Eu acabara de passar pela fase um. Nem quero falar sobre a fase dois. Até porque, foi tudo tranqüilo. A frase dita pelo primeiro médico fora suficiente para atingir meu espírito, alma e ego. “Quer dizer que eu sou um jovem senhor saudável?!”, murmurei sob o capacete, enquanto acelerava a motocicleta.
Toda a realidade do tempo desabou sobre minha negra cabeleira. Tempo que é mais forte do que a morte. Mais duro do que o ciúme. Mais insensível do que um filho – e não importa de que filho se trate, nem de quem. Quando cheguei em casa, olhei uma foto minha aos trinta anos. Há quem diga que envelhecemos mais e pior nos retratos. “É, talvez o médico tenha razão; sou um jovem senhor”, constatou um cara até então desconhecido que olhou diretamente nos meus olhos pelo espelho do banheiro. Não era aquele mesmo que eu acabara de ver em cima de uma potente motocicleta dentro de um porta-retratos. Tava longe de ser aquele moleque que corria atrás de uma bola de meia nos anos 1970. Não, era um senhor; jovem, mas senhor.
Eu devia estar contente, como cantou Raul seixas. Afinal, ligam-me para agendar um check-up. Afinal, estou saudável. Afinal posso pilotar minha motocicleta. Afinal, consigo jogar meu futebolzinho duas vezes por semana. Afinal posso me refestelar com páginas de autores consagrados. Mas não estou. Estou desconfiado. Ressalto que não estar contente não significa estar triste. Assim como não torcer pelo Vasco não significa ser flamenguista. Ainda bem que no dia 11 de janeiro vou a Natal passar três semanas. Verei meus pais e verei minha linda e adorável Gabriela – meu presente dado por Deus. Quem sabe se até lá o tempo não desfaz essa má impressão que me causou.
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