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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Eu, um sanguinário High Definition

     Larguei a revista que estava lendo e esparramei meus olhos pela tela da Rede TV. Até dei um pulinho pela Sportv e achei a transmissão melhor, o locutor passava mais emoção. Não era, entretanto, em formato HD – High Definition – e por isso “sartei” de volta para o canal da filósofa Luciana Gimenez. Feito um romano na arquibancada do Coliseu, o Gile aqui esperava ansiosamente que a luta começasse. Um pouco menos bárbaro, não fui à arena. Postei-me em um colchão de tecnologia ultramoderna, ajustei minha luneta de design vanguardista e liberei minha mente pós-medieval.

- Porrada, porrada – gritava meu cérebro, que naquele momento descia a condição de homem das cavernas, só que um pouco mais primitivo. A ânsia de ver sangue jorrando da cara de brutamontes não me permitia desgrudar os olhos do aparelho. E meus instintos mais selvagens afloravam. Minha respiração foi alterada, os batimentos cardíacos dispararam e as pupilas denunciaram meu estado de loucura. Primeira luta da noite: o brasileiro vence por nocaute. O álibi para minha bestialidade tinha nome – nacionalismo. Como um Hitler, que comandou o holocausto por razões patrióticas, eu queria ver o Brasil esmagar os gringos desumanos.

     Lá pelas tantas, o rosto de um demônio estrangeiro – era isso que eu queria enxergar – foi coberto de sangue. A plateia foi ao delírio. O representante tupiniquim socou mais forte. O cinegrafista aproximou a imagem e pude ver gotas de sangue mais do que reais escorrendo pela face do monstro. E minha monstruosidade veio abaixo. Um resquício de civilidade debateu-se em minha mente e disse não. Nos tatames, aprendi que não se agride um adversário quando ele está de costas – é covardia. Aprendi que não se esmurra um oponente quando ele mostra-se incapaz de reagir – é dantesco. E fiquei envergonhado.

     Envergonhado por ter dado audiência à pancadaria. Envergonhado por ter visto um homem desmaiado ser agredido e não ter me indignado. “Faz parte da luta”, diria um discípulo de Calígula. “Não tem nada demais, é um esporte”, argumentaria um filho bastardo de Nero. No dia seguinte, pela manhã, assisti o mundial de judô. Eu e mais uns cinquenta brasileiros. Fiquei pensando: será que no dia em que for organizado um torneio de luta onde o vencedor for aquele que matar o adversário, a audiência quebrará todos os recordes já computados? Pode ser; a transmissão, no entanto, terá que ser Full HD.

2 comentários:

  1. Filósofa Luciana Gimenez foi ótima.

    Acho que todos nós somos sanguinário, mais HD ou menos HD. Desde os tempos Bíblicos, com Caim, depois com Israel e a conquista da Terra Prometida...

    Hoje somos sanguinários quando adoramos ver essas lutas, ou, mais amenamente, qualquer competição, que é sempre, um enfrentamento. Ou nos nossos relacionamentos diários, no trabalho e mesmo em casa.

    E isso tudo por motivos fúteis ou sem motivo algum. Diferente do relacionamento entre os moradores da República Três Platôs...

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  2. Essas lutas são detestáveis. Que belo "esporte" espancar a cara de outra pessoa até que ela desmaie coberta de sangue. Tinha que ser coisa de ser humano mesmo...

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