Foi numa palestra na Faculdade Estácio de Sá, aqui mesmo, em
Santa Catarina. Quem estava com o microfone era Sérgio Murillo de Andrade,
presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) à época. Entusiasmado,
o ex-funcionário da Gazeta Mercantil defendia com unhas e dentes a obrigatoriedade
do diploma universitário para o desempenho da profissão de jornalista. Sem ao
menos pedir permissão para interrompê-lo, uma moça tirou a bunda da cadeira e anamariabregou:
“jornalista é vocação; sou totalmente contra a obrigatoriedade do diploma”. Um colega
da estudante, bem mais educado do que um pernilongo no crepúsculo, tentou se
mostrar bem informado: “nos países desenvolvido o diploma não é obrigatório”. Murillo, acostumado aos acalorados debates
sindicais e com os escutadores de novela calejados de ouvir bobagens, não fugiu
da briga – que pelo tom de voz dos acadêmicos a coisa virara uma briga de foice
em um elevador sem energia – e replicou à altura as intromissões. O auditório
virou um cabaré de cego dentro de um balaio de gato. Paulo Scarduelli, então
coordenador do curso de jornalismo da instituição, entrou no debate e quase
apanhou. A discípula de Sabrina Sato só não estapeou meu amigo porque as patas
dela não eram tão longas. Lá se vão dois anos que esse fato se passou e ainda
ouço discussões sobre a necessidade de jornalista ter diploma para exercer a
profissão.
No meio dessa pornografia toda, lamento a inocência de alguns
jornalistas. Chamo de pornografia porque não pretendo agredir os ouvidos do
leitor, pois a não obrigatoriedade do diploma jornalístico é de interesse de
donos de jornais, de revistas, de rádios, de televisão e de qualquer outro
veículo de comunicação a serviço dos senhores feudais que dominam esse baixo meretrício
chamado Brasil. Daqui a pouco volto à inocência de alguns jornalistas. Só para
lembrar, o STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou a obrigatoriedade do diploma
no dia 17 de junho de 2009. O diploma foi para a segundona depois de goleado
por oito votos a um. Os gols dos patrões da comunicação foram marcados pelos
ministros Gilmar Mendes – titular absoluto do time dos caciques brasileiros -,
Cármem Lúcia Antunes Rocha, Ellen Gracie, Ricardo Lewandowski, Eros Graus,
Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso e Celso de Melo. O raquítico gol dos
jornalistas foi assinalado pelo ministro Marco Aurélio. A obrigatoriedade do
diploma, que perdurava desde 1969, foi destronada em poucos minutos para a
satisfação dos seguidores de Assis Chateaubriand. STF, 69 e donos da mídia – é ou
não é sacanagem pura?
Ora, ora, simpatia, você acredita que o STF desancaria o
diploma se não fosse para atender o patronato? Vale rememorar que os senhores becados
acolheram o recurso ajuizado pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão
no Estado de São Paulo (Sertesp) e pelo Ministério Público Federal. De nada
adiantou a Federação Nacional dos Jornalistas espernear. Em vão o advogado da Fenaj, João Fontes,
argumentou que “a exigência do diploma não impede ninguém de escrever em
jornal; não é exigido diploma para escrever em jornal, mas para exercer em
período integral a profissão de jornalistas”. Parece que o diploma fora
derrotado antes mesmo de começada a partida. O camarada que acredita na lisura
do placar, e que ganhou quem merecia, não tem na cabeça fósforo para acender
uma vela do tamanho de um alfinete.
“Então você acha que é um diploma quem faz um jornalista,
Gilead”, um incauto pode estar me perguntado. Não, respondo. Assim como não é
um diploma quem faz um advogado, um engenheiro civil ou um médico. Mas que, no
mínimo serve de filtro, ah, isso serve. Em um país movido mais a imagem que a
livros, a faculdade serve de guia para o aprofundamento de leituras, de debates
e de métodos apropriados para o desempenho da profissão. Agora, se as
faculdades não estão desempenhando bem suas funções é outra história. Ou o STF
resolveu dissolver a Câmara e o Senado por estarem desviados de seus
verdadeiros objetivos? Ou o mesmo STF decidiu acabar com as polícias civil e
militar por terem estas permitido a entrada de delinquentes em seus quadros? Eliminar
a obrigatoriedade de diploma universitário é, no mínimo, uma ode contra a educação.
“Mas tem um monte de jornalistas formados que não sabem PN (praticamente nada)”,
dirá um apóstolo do analfabetismo. Pois então, imagine o nível de quem nem
sequer frequentou uma faculdade. O diploma, paisano, é uma porta de entrada,
não de saída. E, lógico, o direito a ele deve ser facultado a todo aquele que
deseja seguir pela senda da reportagem.
Voltemos à inocência dos jornalistas. Meus amigos, a luta da
Fenaj é, sim, uma luta classista. E é assim que as coisas funcionam na
democracia. Para isso os sindicatos são criados, para defender o direito de
seus associados. Os patrões sabem que uma categoria unida, com um diploma universitário
na bagagem e bem representada é um entrave a mais para a patifaria que cerca os
grupos midiáticos. Sem contar com o salário mais alto que um formado terá
direito. Do jeito que está, o veículo oferece salários baixíssimos, manipula
descaradamente os chamados jornalistas e ainda posa de porta-voz da informação.
E o mesmo jornalista, coitado, que apregoa ser contra o diploma é quem reclama
dos salários miseráveis da categoria, da jornada cansativa e da falta de
liberdade ao escrever. Inocência, inocência, como te gostam alguns colegas meus.
Belo texto Gilead, belo texto!
ResponderExcluirConcordo, texto maravilhoso, bem articulado, carregado de fino humor. Celso Martins
ResponderExcluirLilo,
ResponderExcluirMe parece que a atividade jornalística está saturada.
Com tantos blogs, sites, redes sociais, net, publicações diversas, TV etc ...é muito material informativo para ler ou pesquisar.
Daí a banalização do jornalismo,... será?