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sábado, 16 de abril de 2011

Apagão no campo

Águas Mornas, na Grande Florianópolis, sofre com falta de energia elétrica. Zona rural é a mais prejudicada. O que fazer?     


Entrada de Santa Isabel / Gilead Maurício
      Quem passa pela estradinha de terra que corta a comunidade de Santa Isabel, na Zona Rural do município de Águas Mornas, não tem como deixar de notar a presença de um homem na janela de um galpão. Sentado em uma cadeira de rodas, ele faz artesanato em madeira enquanto se distrai contemplando a paisagem digna de cartão postal. Trata-se de Raimar Luiz Scheitt, 64 anos. Cadeirante há 23, encontrou na arte o prazer de trabalhar. Ultimamente, a alegria contagiante do sexagenário está sendo posta a prova pelas constantes interrupções de energia elétrica. Com o carregado sotaque alemão, idioma falado por quase todos os moradores do lugarejo, ele reclama: “Tem faltado energia quase todo dia. O serviço para,ninguém pode fazer nada.” Cerrando algumas tábuas, mais ao fundo do estabelecimento, está Alberto Cunha, 30 anos, genro do idoso. Betinho, como é conhecido o marceneiro, não esconde a insatisfação e esbraveja: “Eu vou entrar com um processo em cima deles. Instalei-me aqui devido a promessa da Cerej de colocar energia trifásica. Já faz três anos”. A Cerej, a quem o moço se refere, é uma cooperativa de distribuição de energia responsável pela eletrificação de áreas rurais da Grande Florianópolis. Fundada na década de 1970, atende 15 municípios atualmente. Perguntei quem assumiu o compromisso e ele foi firme: “Quem prometeu foi o senhor Edson Flores da Cunha, presidente da Cerej”. Irritado, completou: “Compramos máquinas e tivemos que vendê-las porque a energia é fraca. Agora estamos perdendo horas de trabalho devido à falta de energia. No fim do mês, somando as interrupções, perdemos uns dois dias de trabalho”. Sogro e genro formam uma parceria que vem dando certo: Alberto trabalha na fabricação de móveis, operando máquinas maiores, e o sogro dedica-se a arte aproveitando, principalmente, sobras de madeira. Sem saber ao certo quem culpar, dá a última bordoada: “A comunidade está envergonhada com a Cerej e com os responsáveis municipais que deveriam cobrar um melhor serviço”.
 


Escritório da cooperativa em Biguaçu

     Edson Flores foi duas vezes prefeito de Leoberto Leal, município também atendido pela Cerej. Preside a cooperativa desde 2006, após uma passagem pela Secretaria de Infra-Estrutura. Segundo ele, “a cooperativa existe porque a Celesc não levou energia para a área rural, então os colonos se uniram e formaram a cooperativa”. Assim sendo, a Cerej passou a comprar energia da Celesc e distribuí-la para seus cooperados. Hoje são quase 9.000 cooperados, todos com direito a voto. Mesmo assim, quem tiver interesse em conhecer a cooperativa, a área de abrangência dela e suas ações, só terá um caminho: dirigir-se até a sede da entidade, no município de Biguaçu. Na internet, nada pode ser encontrado sobre ela. Embora estejamos na era da comunicação, e as empresas, por menores que sejam, busquem a cada dia abrir canais de aproximação com o cliente e com a sociedade, a Cerej não tem um site que faça isso. Rogério Mosimann, diretor da Infomédia Comunicação, empresa de comunicação em internet, explica que “o site ajuda a dar transparência a todas as atividades da empresa”. Para ele, “as empresas precisam dar uma resposta à sociedade do que estão fazendo, principalmente quando envolve serviços públicos”. Fazeno coro com Mosimann, o prefeito de Águas Mornas, Pedro Garcia, ao ser entrevistado na sede da prefeitura, foi incisivo: “O que falta na Cerej é transparência”.

"O problema é da Celesc" - Edson Flores
     A par da situação do município, entrei em contato com a Cerej. O presidente prontificou-se a falar sobre o assunto. No dia e hora marcados, fui recebido por Edson Flores. Apesar do visível descontentamento com a Celesc, externado através de gestos e expressões faciais, evitou, ao máximo, críticas a empresa. Ao ser perguntado sobre as faltas de energia, foi categórico: “Ninguém pode dizer que foi problema da Cerej. Tenho aqui os protocolos da Celesc. Foram 17 ocorrências em pouco mais de dois meses”. Indaguei-lhe acerca das quedas de energia provocadas pela Cerej e ele tirou uma carta da manga: “As nossas ocorrências estão sendo automatizadas”. Sempre atencioso e procurando responder a todas as perguntas, Edson se disse insatisfeito com o que está ocorrendo em Águas Mornas: “Me machuca muito, porque a Celesc e nós não resolvemos o problema. Acho que aquela energia que eles têm lá é um absurdo”. Para resolver a questão da falta de transparência, prometeu que o site da Cerej estará pronto até o final do seu mandato. Mesmo comprando energia da Celesc, ele afirma que os seus cooperados pagam a mesma tarifa que os consumidores da estatal. Saí de lá com uma pergunta: será que o vilão desta história é mesmo a Celesc?

“Faltando o rádio e faltando a TV, falta tudo"
Irene Heinz Kuester
     Dona Irene Heinz Kuester, 52 anos, mora em uma propriedade rural na localidade chamada Segunda Linha, também em Águas Mornas. Casada com Nivaldo Kuester, mudou-se para lá quando contraíram núpcias; já se passaram 33 anos. Vivem da criação de gado e da agricultura. O município é um dos maiores produtores do hortifruti consumido na Grande Florianópolis, e junto com Antônio Carlos é responsável por 80% da produção desses produtos na região. Couve-flor, brócolis e repolho, além de pimentão, tomate e morango, são plantados em cada metro quadrado de terra disponível na área rural. Devido ao clima, a produção é de 365 dias ao ano. Ao fim de uma jornada de trabalho, que começa com os primeiros raios de sol e só termina quando a escuridão toma conta, o casal, junto com as duas filhas e os dois netos, senta-se para relaxar. “Nosso lazer é o rádio e a TV”, explica dona Irene. “Faltando o rádio e faltando a TV, falta tudo”, conclui desanimada. A falta de energia mina a qualidade do homem do campo. Outrora possuidores de quase nenhum equipamento eletro-eletrônico, hoje, toda casa tem televisão , aparelho de som e geladeira; sem contar o chuveiro elétrico, o freezer e o ferro de passar roupas. Quando falta energia, resta à dona Irene, ligar para o 0800 da Cerej e acender uma vela. “É a coisa mais ruim”, entristece-se.

     Resolvo conversar com o representante do município e vou até a prefeitura. O prefeito não estava, mas a secretária agendou-me um horário em dia aprazado. Cumprindo o combinado, chego e sou prontamente atendido pelo prefeito Pedro Francisco Garcia - conhecido como Pedro do Banco, por ter trabalhado no BESC -, que, entre uma reunião e outra, encontra tempo para contar o que tem feito em favor dos munícipes. Antes disso, dou uma passada na delegacia e, enquanto converso com o delegado, Martinho Wiggers, uma cidadã chega para fazer um Boletim de Ocorrência. “Não dá, ta faltando energia. Volte mais tarde, por favor”, informa o homem da lei. Penso com meus botões: quem mandou aposentarem as máquinas de datilografia? Pedro é cordial e espera-me com algumas respostas na ponta da língua. Depois de isentar a Cerej de qualquer culpa pelas corriqueiras faltas de energia, salvo uma crítica sobre a falta de transparência, dispara: “Intensificamos conversa com a Cerej, e com a Celesc eu estou mesmo é brigado”.


"Eu mesmo já cheguei a tomar banho frio"
Pedro do Banco - Prefeito de Águas Mornas
     De acordo com o chefe do executivo local, a falta de energia vem causando prejuízos à economia de sua cidade. E informa que o problema não é exclusivo da Zona Rural, abastecida pela Cerej, é, sim, de toda Águas Mornas. A rede da Celesc vai até alguns quilômetros depois do Centro da cidade, dali para frente a energia é transmitida aos colonos pela rede da Cerej. Conforme Pedro do Banco, o problema é unicamente causado pela Celesc. “As pessoas estão evoluindo, as famílias estão evoluindo e a Celesc está ficando para trás. Já mandei diversos ofícios para a Celesc, pedindo que eles modernizem a rede deles que está sucateada, e eles só ficam na promessa”, indigna-se. Pergunto se a estatal se pronunciou por escrito e ele sobressalta-se: “Se houve algum comunicado da Celesc para nós?! Não, não. Dane-se que é assim. Formalizamos e nada”. Em seguida sacramenta: “A Celesc está devendo uma resposta à sociedade. O 0800 deles não serve para nada”. Pergunto o que a Celesc alega, e ele não titubeia: Eles alegam que as pessoas bebem demais e batem os carros nos postes, mas é difícil ta todo mundo batendo em poste quase todo dia, né?”, ironiza. O prefeito não deixa de reconhecer que as chuvas fortes também contribuíram para o agravamento da situação, mas salienta que isso não foi a principal causa das interrupções. Antes de me retirar ele lamenta: “Eu mesmo já cheguei a tomar banho frio”.

     Procurei o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Águas Mornas, Leomar Mees, e ele fez coro com o prefeito ao dizer que grande parte da falta de energia ocorreu no período da madrugada para o amanhecer, e sem a presença de chuvas. Leomar esclareceu que a maioria dos produtores rurais depende de energia elétrica, que a irrigação da lavoura também carece de energia e que as 28 granjas de frango do município não suportam uma descontinuidade no abastecimento elétrico. Segundo ele, todo um ciclo produtivo fica comprometido. Leomar, assim como o prefeito, informou ter protocolado um ofício para a Celesc e que não recebera nenhum retorno da parte da empresa. Para terminar, ele levantou uma questão: “Se hoje uma grande indústria quiser se instalar em Águas Mornas, não poderá fazê-lo por falta de energia”. A essas alturas, parece-me que, de fato, a Celesc, apesar do lucro de quase 120% no último ano, não fez os devidos investimentos no município.

     Chega a hora de bater à porta da segunda maior arrecadadora de ICMS do Estado. A Celesc só perde em arrecadação para a Petrobrás. Enviei um email para o endereço que encontrei na página principal do site da empresa: celesc@celesc.com.br. Perda de tempo. Vendo que não obteria resposta, no dia 01/04 liguei para o número 3271-8000 na tentativa de falar com o Gerente Regional Luiz Carlos Facco. Uma voz grave atendeu prontamente ao primeiro toque.

- Celesc, bom dia.

- Quem fala – perguntei.

- É o Luiz.

- Luiz Facco? – Achei que a sorte me sorrira.

- Não, Luiz da Portaria. Vou transferir para o ramal dele. – Acalentou-me o funcionário.



     Após alguns toques, atendeu-me a secretária Ana. Como é de praxe em qualquer atendimento ao público, ela não disse o sobrenome. Essa prática, que não é prerrogativa apenas da Celesc, ressalte-se, dificulta uma posterior identificação de quem fez o atendimento.

- Eu gostaria de falar com o Luiz Facco? -, fui direto.

- Ele está na Celesc, mas não aqui.

- Podes transferir a ligação para onde ele se encontra? -, insisti.

- É que ele deve estar deixando a gerência hoje. A partir de segunda-feira outra pessoa assumirá no lugar dele. Acho que ele não vai querer falar.

- Com quem eu poderia falar hoje, já que ele não pode? – perguntei depois de explicar o motivo da minha ligação.

- O engenheiro Adriano poderá falar com o senhor. Vou transferir a ligação para a secretária dele. O nome dela é Neide.

Trim, trim, trim, trim, trim, trim, trim, trim, trim. Em vão chamou o telefone até a ligação cair.

     Liguei outras três vezes para o 3271-8000, Luiz da Portaria atendia e passava para o ramal da Sra. Adriana. Tocava até cair. Em uma dessas vezes, alguém tirou o telefone do gancho, como se fosse atender, e voltou a colocá-lo no lugar. Ficou claro: não iriam me atender. Na quarta vez, o Luiz indicou-me o ramal do Gerente Regional. Depois de várias tentativas em que o telefone chamava até cansar, passou a dar sinal de ocupado. Parece que alguém, para não ser incomodado, tirou o aparelho, de vez, do gancho. Desde a primeira ligação, às 9h15, até as 10h30, o aparelho continuava dando sinal de ocupado. Às 11h, nova tentativa. Como tocou aquele telefone! Às 16h, arrisquei pela última vez; nada. O leitor pode estar se perguntando: “Sim, e o repórter não tinha nenhum contato que facilitasse o acesso dele à direção da Celesc?”. Não usei do tal recurso porque pretendi seguir o caminho disponível a todo e qualquer consumidor da empresa.
celesc@celesc.com.br, de quem será esse email

     Com a aproximação da publicação da matéria, e querendo dar a oportunidade de a Celesc se defender das acusações que estava recebendo, aí, sim, recorri à assessoria de imprensa da estatal. No mesmo dia, recebi uma ligação do engenheiro chefe da divisão técnica, Adriano Luz; estava marcada a entrevista para o início da tarde. Às 13h30, estávamos no escritório dele para tentar, quem sabe, esclarecer o problema da falta de energia em Águas Mornas. Para a entrevista, Adriano convidou, também, o chefe da área de planejamento, Cláusio Roberto. A sala fica no primeiro andar do prédio da empresa na Avenida Ivo Silveira. O sol de outono não se apiedava de nós e adentrava o recinto através da parede de vidro. Perguntei, rindo, se estava faltando energia. “Não”, respondeu, também com um sorriso, o engenheiro. “O ar-condicionado está com defeito”, completou. Antes de a entrevista começar, falei sobre a dificuldade em contatá-los por telefone ou por email. Eles disseram desconhecer o endereço eletrônico que utilizei – celesc@celesc.com.br. Avisei-lhes que o mesmo se encontrava na página principal do site da empresa. Depois de verificar a veracidade, não conseguiram saber quem recebia os emails enviados para aquele endereço.


Acidente como esse é usado como defesa pela Celesc
      Direto e reto, questionei a causa das interrupções de energia. “O problema foi um religador nosso, mas já foi consertado”, garantiu Adriano. “Tem também o problema do abalroamento e das chuvas”, adicionou. Visivelmente desconfortado, desmentiu o prefeito: “Nossos equipamentos não estão sucateados; a gente lida com segurança”. Em seguida, amenizou: “Não vou negar que temos problema de manutenção. A falta de materiais é recorrente na Regional, mas a gente consegue atender; não com a vontade que temos”. Fiquei imaginando que a divergência é uma questão de adjetivo. Para quem reclama, sucateada quer dizer ultrapassada, obsoleta. Para um engenheiro, sucata tem um único significado: ferro-velho, coisa deteriorada. Cláusio Roberto informou que a rede apresenta alguns pontos que precisam de melhorias e que um novo alimentador está para ser instalado em Santo Amaro da Imperatriz – município vizinho a Águas Mornas. Com isso, a situação será amenizada. Ele ainda disse que a Celesc vem monitorando o aumento da demanda na região há sete anos. “O amento do número de consumidores é de 4,5% ao ano”. Embora ele saiba que o aumento da demanda é bem superior ao de novos medidores instalados, limitou-se a dizer que “um novo alimentador será instalado até o fim do ano”.

“Nós violamos os indicadores de qualidade em 2010, e em 2011 estamos mal na foto" - Adriano Luz, engenheiro chefe da divisão técnica

     Adriano Luz sensibiliza-se com o sofrimento dos moradores de Águas Mornas e admite: “Nós violamos os indicadores de qualidade em 2010, e em 2011 estamos mal na foto. Ao ser questionado do porque de não responder aos ofícios que a Prefeitura e o Sindicato dos trabalhadores Rurais de Águas Mornas enviaram, foi categórico: “Não recebemos nenhum ofício da Prefeitura. Do sindicato, sim, e já respondi”, garantiu. Ao sair de lá, liguei para Leomar Mees, do sindicato, e ele desmentiu a informação do engenheiro: “Até agora, não recebi nenhum comunicado da Celesc”. Mais tarde, Mees enviou-me uma cópia do ofício que mandou para a Celesc. Entrei em contato com a prefeitura e solicitei cópias dos ofícios expedidos por ela; até o fechamento da matéria, não o fizeram.

     No meio dessa enxurrada de informação, desinformação e contrainformação, o consumidor da Cerej, e consequentemente da Celesc, fica sem ter a quem recorrer. Raimar Scheitt, Edson Flores, Irene Kuester, Pedro Garcia, Leomar Hess e Adriano luz, são partes de um todo que insiste em não dar certo. E, querendo ou não, fazem uma queda de braço insana. Raimar e Irene, o lado mais fraco, arcam com os dissabores da falta de energia; Leomar, vive o dia-a-dia do agricultor desassistido; Edson Flores, não se sente responsabilizado; Pedro Garcia, não consegue defender o munícipe; Adriano Luz, entende o problema, mas não é o acionista majoritário da Celesc. Quem parece não ter nada a ver com o assunto, é você, leitor. Só parece. Porque na hora de comprar um repolho, um tomate ou um frango, você verá quem arca com as conseqüências desse impasse.

 

Raimar Luiz Scheitt

Alberto Cunha

Essa matéria foi produzida para ser publicada em um jornal catarinese.



















2 comentários:

  1. Essa reportagem não serviu para nada ! Achei inútil !

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  2. Impressionante a indiferença da Concessionária mais prestigiada do Brasil. Alguém já Procurou a ANEEL para fazer as reclamações junto a ela?
    Infelizmente é a única a que a Concessionária responde, visto que o consumidor nada consegue.

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