Dói ver os processos espúrios usados na elaboração das legislações. Independente de quais leis estejamos falando, há sempre uma mão maior fazendo os dados indicarem os números desejados.
Dói.
Dói ver o modo manipulador como a democracia é legitimada. O que é uma eleição, senão uma licitação com vencedor previamente arranjado? E sempre haverá um coitado fazendo oposição, como se os votantes acreditassem que ele tem alguma chance – e a velha luta de Davi contra Golias é sacanamente lembrada. Pobre bíblia.
Dói.
Dói perceber que a sociedade corrompida, corrupta e corruptora, ainda se acha digna de cobrar honestidade. Mão na consciência, meu caro, morreu com os homens da caverna. Com a ideia fixa de que no caso de “farinha pouca, meu pirão primeiro”, enveredamos pela senda da maldade, da ilicitude e da imoralidade. E esse atalho, paisano, foi legalizado por nossas mentes calcinadas, doentes e dementes.
Dói.
Dói olhar de lado e ver a mentira com a sua chaga purulenta, fétida e repulsiva, travestida sob um resplandecente manto de limpeza, pureza e lisura. E nós, com nossas narinas insensíveis, adentramos a tenda da maligna com o peito esfuziante, e nos colocamos sob sua temerária proteção. Compramos um bilhete para o céu e embarcamos em um vagão rumo ao inferno.
Dói.
Dói o bombardeio de retórica que mina o quintal de nossas almas. Um dia nosso espírito teve jardins floridos como os suspensos da Babilônia. Ah, isso foi no tempo em que Bumba meu boi era bezerro, simpatia. Nossa não-matéria degringolou. Por dar ouvidos a ensinamentos frutos de mentes obscuras, caímos todos na vala comum. A vala da cegueira, da idiotice e da insensatez. Ah, “alma minha gentil que te partiste”.
Dói.
Dói olhar grandes olhos incapazes de discernir a mão direita da esquerda. Pés que correm à sepultura como se estivessem subindo a um palco. Braços que não abraçam no caminho escuro, esmurram. Bocas que não beijam, somente escarram. Palavras que não saram, matam.
Dói.
Dói, e de tanto doer, acho que nem sinto. De tanto gritar, acho que nem emito som. De tanto chorar, acho que lágrimas não rolam mais. Só resta a dor. E dói.