Quero, antes de qualquer coisa, dizer que não gosto de dividir uma crônica ao meio. Acho que crônica tem que “chegar chegando”. Detesto, eu disse detesto, esperar o dia seguinte para ler o desfecho de uma crônica. Outro dia, eu li uma num jornal e o cronista finalizou dizendo que continuaria no dia seguinte. Fiquei in-ju-ri-a-do. Prometi para mim mesmo que não leria, que era um abuso. Curioso, no outro dia já acordei pensando no que o “safado” do cronista diria. Óbvio, li. Ontem, porém, caí na vala comum. Comecei a crônica com a frase “Ontem à noite, eu estava na década de 1970”. Discorri sobre a correria do dia-a-dia e deixei a década de 1970 para hoje. Pois bem.
Eu estava assistindo o jogo entre Atlético goianiense e Curitiba. De repente, um cochilo. De olhos fechados, escutava a voz do narrador ao longe. Atlético goianiense. Desperto, mantive as pálpebras cerradas. Viajei numa velocidade espantosa no tempo. Vi-me no Rio Grande do Norte da década de 1970. Uma luz tremeluzente iluminava o barracão que servia de alojamento para os homens da família. Entre esses homens, me incluo, embora, à época, não passasse de um fedelho. Um rádio de pilhas, preso na cama de cima de um dos três beliches, contava a saga do América de Natal em busca de uma vitória contra o time goiano. O jogo era em Goiás. A tarefa, lembro como se fosse hoje, era quase impossível. O Atlético era um demônio ferocíssimo, em minha cabeça imaginosa. O time potiguar, no meu imaginário movido a rádio de pilhas, era formado por seres iluminados, bondosos demais para matar o peçonhento Atlético.
Era uma questão de tempo para o locutor, torcedor ferrenho do time de Natal, lamentar o gol atleticano. Eu, à época, também torcedor do “Mecão”, dormiria triste. Quero esclarecer que ainda torço pelo América, mas agora o ABC também divide meu coração futebolístico. Torço mesmo, quero deixar bem nítido, é pelo Alecrim Futebol Clube. A bem da verdade, não sou o tipo de torcedor que um time precisa. Gosto de ver é gol, não importa muito quem o faça. Naquele tempo de luz a querosene, sem a mágica da televisão e sem o conhecimento que me tornaria um descrente na lisura do esporte bretão, importava muito para mim quem fazia o gol. Se era dos endiabrados atleticanos, o sono era doído.
Abri os olhos e o placar indicava: Atlético 1 X 2 Curitiba. A transmissão em HD trazia o campo de jogo para dentro do quarto. Que coisa sem graça. Não era, nem de longe, o Atlético que eu conheci nos tempos de menino sambudo. Seus jogadores não carregavam tridentes pontiagudos. Estavam humilhados por adversários vindos do distante Paraná. Que também não eram lá essas coisas. Meu Mecão venceria esses molengas facilmente, pensei. Desliguei a TV e voltei à noite de 1970. O sono não seria doído; o coração, no entanto...
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