Já se aproximava das 12h30. Eu acabara de chegar e tinha escolhido uma mesa bem perto do bufê. O que fazer enquanto meu amigo não aparecia? Olhar pela vidraça e ver motoristas botando a mão para fora de seus templos e fazendo sinais provocativos a quem, supostamente, lhes prejudicou? Não, isso poderia tirar-me o apetite. Que tal prestar atenção em quem adentra o recinto? Que cabelo mal cortado. Olha aquele sapato, não combina com a calça. Não sei não, mas aquele casal lá do canto parece muito desconfiado. Cabelo, sapato e casal não me interessavam. Eu cairia na vala comum e, tal qual um fanático, julgaria meu próximo sem dor e sem piedade. Ao meu lado, bem sentada sobre uma cadeira, ela me olhava com aquela languidez convidativa. O leitor mais afoito, perguntará: “ela era bonita?, qual a idade dela?”. Sim, bonita e nova. Além de bonita, funcional. E, para deixar claro, novíssima. Não resisti. Vapt.
Meti a mão na mochila recém-comprada e saquei um Gabriel Garcia. Ah, leitura deliciosa. Mais uma espiada, nova metida de mão e um marcador de texto apareceu junto com um lápis. Tem frases, paisano, que merecem a glória de um tom amarelo-esverdeado da caneta marca-texto. Agente vai lendo, lendo, lendo e “eureca”. Pode ser um aforismo, uma sacada filosófica ou mera puerilidade aflorada no teclado de um sexagenário. Mas que merece um destaque, ah, sim, merece. Quando meu companheiro de almoço chegou, eu estava com a mão na massa. “Porque tu marcas tanto teus livros?”, perguntou depois de um abraço. Expliquei e revelei um segredo: “no caso deste autor, gosto de destacar os efeitos lingüísticos que ele utiliza. Depois, imito-o nos meus textos”. Enquanto almoçávamos discutíamos sobre minha atitude. Seria um “copia e cola”. Claro que não. Uma imitação? Evidente, meu caro Watson.
E o que é uma imitação senão um meio de assimilar as belezas alheias. Essa frase, sim, é uma cópia. Quem a cunhou foi o francês Albalat. E a imitação, ainda conforme o cara acima citado, vem da admiração. E eu imito. E atire a primeira pedra, ou faça o primeiro comentário alfinetador, quem não copia. Ora, ora, simpatia, só imita quem admira, e só admira quem enxerga beleza no alheio. O que não dá é ficar limitado à imitação de um só exemplo. Senão vira, no máximo, uma caricatura. Quando admiramos muitos, e muitos imitamos, criamos um estilo próprio e tornamo-nos nós mesmos. Tenho escutado muito sobre “originalidade” e “criatividade”. E é aí que se encontra a maternidade de tanta porcaria que permeia jornais, revistas e até livros que caem em nossas mãos. O sujeito não lê, não possui bagagem lingüística nenhuma e acha que tem “estilo próprio”. Meu filho, só quem cria a partir do nada é Deus. E como não tenho nenhuma pretensão em ser adorado, imito. O almoço estava ótimo.
"Copiei descaradamente muitos escritores, Monteiro Lobato, Viriato Correa e outros; não se incomodaram com isso e copiar me fez muito bem." Moacyr Scliar
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