Olha, amizade, o livro é, definitivamente, a saída da humanidade. E a entrada também, ressalte-se. Diz o aforismo que “quem não lê é como quem não vê”. Acrescento: e como quem não sente; como quem não cheira; como quem não ouve; como quem não discerne entre o doce e o salgado. Não, não pretendo entrar na discussão a respeito do suporte para o livro. Pode ser impresso em brancas folhas, pode ser digital – para ser mais contextualizado -, pode até ser cuneiforme – para ser pedante. Usei “cuneiforme” só para forçar você a relembrar a origem da escrita. Aquela coisa sumeriana, tá ligado? Tolice minha. Voltemos ao livro. Estava esse escriba jogando futebol com os colegas – e com os não-colegas também – na AABB de Florianópolis, quando um trem enchuteirado descarrilou e tombou sobre minhas costas. De cristal como sou, conforme já me disseram, fui obrigado a deixar o gramado. As dores na cervical venceram a fome de bola.
Fui para casa. E como todo bom peladeiro, tomei um analgésico e relaxante muscular. Cinco dias depois, a dor continuava, teimosa como um torcedor do Flamengo que insiste que o time dele é hexa. Estava na hora de interromper o tratamento e procurar o médico. Pierre, cadê você? Ao me receber no consultório, o sexagenário abriu o sorriso: “Conte-me tudo, embora eu já saiba que tem a ver com futebol”. Exames preliminares indicaram lesão na lombar. “Um raio X imediato e uma injeção para aliviar a dor”, condenou-me o profissional. Uma agulhada é tudo que um cara como eu teme. "É um trauma de infância", desculpo-me. Sinto o sangue gelar enquanto aguardo meu calvário. Sentado, espero a vez do suplício. Abro a mochila e saco um livro. Voltemos ao livro.
- Stalin perguntou a um deles, Konstantin Rokossovski, talvez por lhe faltarem as unhas das mãos: “Foi torturado na prisão?
- Sim, companheiro Stalin.
A Corte do Czar Vermelho, de Simon Sebag Montefiore, descreve, conforme transcrevi acima, o encontro entre o caudilho soviético – Stalin – e um general que havia sido torturado nas tenebrosas prisões da falecida república. Lendo, pude ter uma ideia do que é sofrimento. Imagine, paisano, a dor lancinante que um vivente experimenta ao ter as unhas arrancadas com um alicate. Foi quando o enfermeiro me chamou. Empertigado, assenti com a cabeça e subi ao patíbulo. Ora, ora, o que é uma injeção frente ao sofrimento de Rokossovski?! Fechei o livro – tato -, cerrei os olhos – visão -, senti o cheiro do medicamento – olfato -, escutei o tilintar das ampolas – audição -, e senti o gosto da vitória – paladar. Quinze minutos depois, as dores começaram a fugir da minha cristalina lombar. O poder de um livro!
Com medo de injeção né marmanjo? Ótimo texto. Quando eu tiver q tomar injecao vou lembrar dele.
ResponderExcluirDesta feita você se superou. Que belo texto! Que bela forma de declarar seu medo de injeção! Parabéns!
ResponderExcluirInjeção bota medo em muita gente, Gilead. Mas tem coisas muito piores e mais profundas e que atingem a alma. Dura por muito tempo, mas o bom peão sabe controlar.
ResponderExcluirLer é realmente uma prazer inesgotável. Feliz o homem que lê.